domingo, 7 de março de 2010
Portugal: uma década de crise econômica
A crise econômica internacional que se iniciou em finais de 2007, pela explosão da bolha do subprime, agudizou de forma exponencial a crise endêmica da economia portuguesa durante a primeira década do terceiro milênio. O advento do novo milênio não cumpriu para os trabalhadores portugueses a promessa de um novo mundo antes tem sido um cada vez mais pesado fardo de suportar. O colapso das bolsas mundiais a partir de Setembro de 2008 e de enormes sociedades financeiras colocou o mundo e Portugal na maior crise desde 1929.
No meio de uma enorme imprevisibilidade, a burguesia obrigou os seus países a ejetarem bilhões de euros nos mercados e instituições financeiras, seguindo a fórmula dos anos 30, tendo conseguido estancar, a partir de meados de 2009, as perdas destes, no entanto manteve-se, embora menos rápida, a continua queima de capital. Na Europa, os economistas capitalistas começavam a anunciar a retoma a partir do final de 2009, sustentando a sua avaliação na recuperação nos últimos dois trimestres do PIB em vários países, na subida gradual dos mercados bolsistas desde Março e de pequenos sinais de evolução positiva nos mercados automobilísticos e imobiliários, confundindo propaganda e desejo com a realidade. Aquela injeção brutal de capital não foi seguida por uma queima do capital fictício, aliás, serviu para evitá-la, sustentando a especulação, e, além do mais, alguém teria e terá que pagar a factura.
A primeira surge no início de 2010, com o anúncio dos vários déficits orçamentais e dívidas públicas em que se põem a nu os enormes buracos em países como Grécia, Itália, Portugal, Espanha, Irlanda, Reino Unido, estando em primeiro lugar de perigo os gregos, colocando em alerta geral a União Europeia (UE), especialmente a burguesia financeira alemã e francesa que são quem mais sustentam a dívida grega. Anuncia-se o caminho semelhante que Portugal e Espanha estarão a seguir, e começam a ganhar força os argumentos da possibilidade de desmembramento da zona Euro. Não há dentro das 15 maiores economias europeias quem cumpra os critérios do pacto de estabilidade europeu.
Uma economia sem oxigênio
Em 2010 termina uma década de crise e estagnação da economia portuguesa, usando os índices tradicionais dos capitalistas vejamos um pouco esta realidade: na década de 80 (1981-1990) o crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) português foi de 3,8% com picos de 7,6% e 7,9%, respectivamente em 1987 e 1990, e um ano de recessão em 1984, numa evolução do PIB de -1%; na década de 90, encontramos já uma descida do crescimento médio para 3% com picos de 4,2% e 4,9%, em 1997 e 1998, e também um ano de recessão em 1993, numa evolução negativa de -0,7%; na década que agora termina, constatamos um crescimento médio de 0,5%, com pequenos picos de 2% e 1,9%, em 2001 e 2007, mas desta vez com dois anos de recessão em 2003 e 2009 com decréscimos respectivos de -0,8% e -2,7% a -3%, dependendo das diferentes projeções do Banco de Portugal ou do FMI, assinalando ainda que o crescimento em 2008 fosse de 0%.
Qualquer leigo, e a olho nu, conseguirá entender a linha contínua de declínio do crescimento da economia portuguesa nos últimos trinta anos e, mais ainda, a queda que o crescimento deu nesta última década. Mas, porque os economistas do sistema não aceitam dados simples, é preciso esmiuçar mais números, vejamos então os, de 2009, da Formação Bruta de Capital Fixo em Portugal (FBCF), nome complexo, que mede em quanto os capitalistas aumentaram os seus bens de capital, ou seja, aqueles bens que servem para produzir outros bens. Se em 2008, já houve uma redução de 3,5% nestes índices, em 2009, a FBCF retraiu-se -13,8%, ou seja, os burgueses investem cada vez menos em bens de capital, o que indica sua falta de confiança na dinâmica da economia do país.
Novo alarme geral na UE deu-se com a apresentação das contas orçamentais, onde o déficit público português alcançou os 9,3%, em 2009, surpreendendo inclusive o governador do Banco de Portugal que tinham previsto um déficit à volta de 7,9% e outros “observatórios” e “grupos de estudo” apontavam em Setembro para um intervalo entre 6,5% e 7,5%. A um mês do fim do ano, o Governo anunciava um déficit de 8,3%, quando tinha preparado o orçamento com uma previsão de 5,9%. Todas estas previsões errôneas demonstram que a burguesia portuguesa não conseguiu perceber a dimensão da redução na arrecadação de impostos e taxas provocada pela diminuição da atividade econômica e, sobretudo, medir o impacto da injeção de capital na banca, especialmente os 4,5 mil milhões de euros gastos para tapar os buracos nos bancos BPN, BPP, BCP e Finantia. Na última década exigiram-se sacrifícios enormes aos trabalhadores para manter o déficit abaixo dos 3% requeridos pela UE, mas quando se tratou de se salvarem a si mesmos não houve limite que os afrontasse ou detivesse.
Outro dado e, nova constatação de que a catástrofe grega não fica assim tão longe, de 2005 a 2010, a dívida pública aumentou 56,1 mil milhões de euros, passando de 90,7 mil milhões para 146,8 mil milhões de euros. E se, em 2004, significava 60% do PIB, em 2009 representa 79,4% e em 2010 vai aproximar-se dos 90%. Se a estes valores da dívida direta juntarmos a dívida indireta das empresas públicas deficitárias, dos municípios e regiões autônomas, que o Estado terá que pagar, então teremos um valor global consolidado de mais de 100% do PIB. Esta dívida gerará uma nova borbulha financeira e acrescentará mais incerteza e contradições que exigirão medidas dacronianas contra os trabalhadores.
A burguesia portuguesa assenta a sua acumulação de capital, na última década, essencialmente à custa de rendas diretas do Estado, de apropriação através de privatização de grandes empresas, do turismo, da indústria florestal e do jogo normal do sector financeiro de usura e especulação. Alguns exemplos desta acumulação são a adjudicação de centenas de quilômetros de autoestradas e pontes e respectiva cobrança de pedágios, a gestão de hospitalar privada, a venda da petroleira portuguesa Galp a Américo Amorim que, assim e num ano, se tornou o homem mais rico do país, a apropriação das infraestruturas públicas de comunicação, informação e novas tecnologias e a mundial aposta no sector imobiliário. Talvez o único setor onde haja uma tentativa de mudança do modelo de acumulação, baseado na renda, petróleo e especulação, foi o setor das chamadas energias renováveis que cresceu 33% em 2008, mas que ainda é mínimo no cômputo geral do volume de negócios nacional. Nos finais de 2008 e inícios de 2009 a Caixa Geral de Depósitos, banco público português, emprestou cerca de 2 mil milhões de euros a conhecidos capitalistas, para quê? Produzir? Não. Para que estes senhores pudessem especular na bolsa e agora se vêem em dificuldades para recuperar esses valores.
Quem paga a crise são os trabalhadores
Sobre os proletários descarregam toda a fúria e custos desta crise. Como é da sua natureza a burguesia e o seu estado não avançam na renacionalização das empresas privatizadas, que geraram dezenas de milhares de milhões de euros de lucros nesta década, deixando a riqueza não ao serviço de todos, mas sim alienada aos caprichos de um punhado de indivíduos e para os trabalhadores desemprego e miséria.
A política de queima de capitais teve uma expressão enorme, quem visitava Portugal sempre ficava surpreendido pelas notícias diárias nos jornais e televisões de encerramentos de empresas. O resultado é assustador, existiam, no final de 2009, 563 mil desempregados, ou seja, 10,1% dos trabalhadores, mas estes são os números oficiais do Instituto Nacional de Estatística, que não contabiliza aqueles que por terem passado um período largo no desemprego já não estão inscritos, aqueles que tiveram pelos menos uma hora de trabalho numa semana e os que são sujeitos a formação profissional obrigatória paga, e muitos economistas e sociólogos reconhecem que o número deverá rondar os 700 mil, números nunca vistos em Portugal.
A expressão clara da crise endêmica nacional, nestes últimos 10 anos, é a escalada gradual e constante do desemprego, retirando uma descida de 0,4 em 2008 em relação ao ano anterior, todos os anos foram de contínua subida, quando em 2001 havia uma taxa de 4% terminaremos, segundo as previsões oficiais, o ano de 2010 à volta dos 11%.
Ao desemprego deverão juntar-se outros ataques, nomeadamente, o aumento inolvidável da precariedade, há um regresso claro ao início do século passado de perda total de garantias e estabilidade no trabalho, aqueles na esquerda que reclamam “novas formas de organização política” em face de estes dados querem classificar a estes trabalhadores de “precários”, de forma a justificar a sua política oportunista de fervor parlamentar para não se sujeitarem à dificilíssima e morosa luta sindical, pois então comecem a esquecer a palavra trabalhadores, os “estáveis”, porque a tendência é não existirem mais, tal e qual há mais de cem anos atrás.
Em Portugal, uns quartos dos empregados têm contratos a prazo e cerca de 90% destes contratos não evolui para situação permanente. Existem registrados cerca de 1 milhão de “autônomos”, isto é, profissionais liberais, empresários em nome individual, autônomos, mas estes são muito poucos e escondem uma realidade bem dura da contratação por prestação de serviços, na sua larga maioria em horários regulares e trabalhos necessários que recebem o seu salário através dos famosos “recibos verdes”, falsos e nem verdes são, o que juntando aos contratados acima referidos eleva para um terço os trabalhadores em situação laboral precária.
Na juventude o clima piora, a precariedade atinge mais de 70% dos jovens trabalhadores entre os 16 e os 30 anos, e o desemprego sobe acima dos 17%, entre os licenciados a taxa sobe atualmente quase aos 40%.
Como se não bastasse, as empresas de trabalho temporário (ETT), que com o seu negócio de simplesmente sonegar os rendimentos dos trabalhadores, e que crescem 20% ao ano, contemplam mais de 400 mil trabalhadores.
A esta receita, os governos de turno, de PS, PSD e CDS/PP, juntaram também nos últimos dez anos cortes imensos nos gastos em serviços públicos. Destruíram-se milhares de escolas, as propinas nas universidades chegaram aos 1000 euros, fecharam-se dezenas de centros de saúde, hospitais e maternidades, e na mesma medida estão anunciados dez grandes hospitais privados nas regiões onde mais se sentiram estas políticas. Acabou-se com vários sistemas setoriais de saúde e de segurança social que tinham direitos superiores ao sistema regular da Caixa Geral de Aposentadorias e Segurança Social, introduziu-se um sistema de avaliação na Administração Pública que não fez do que impedir as progressões na carreira, retirando a vinculação definitiva de todos os funcionários públicos ao Estado, excetuando lugares de alta hierarquia no exército e polícia, facilitando a futura dispensa, encheram-se de taxas estradas, hospitais, centros de saúde, escolas e universidades. Suprimiu-se inúmeros direitos e garantias com a reforma do Código do Trabalho, aumentando a jornada de trabalho, eliminando dias de férias, flexibilizando a demissão, etc. Congelaram as progressões nas carreiras da função pública durante 4 anos e aumentaram o tempo necessário de contribuições para se conseguir a reforma aos 65 anos e reduziram drasticamente o valor das pensões a partir de 2015. Acrescentar as subidas de impostos, especialmente indiretos, como o Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), que passou de 15% para 20% em 4 anos, chegando aos 21%.
Tudo somado houve um brutal roubo de mais valia aos trabalhadores via Estado e em nome do déficit abaixo dos 3% a burguesia portuguesa fez o seu trabalho um pouco mais rápido que os restantes comparsas da UE e talvez por isso não esteja, ainda, no nível de alarme dos seus congêneres gregos, mas a realidade é mais forte e anunciam-se já congelamento de salários para o ano 2010.
A unidade e combativade, sem pactos, é a saída
A toda esta a esta situação não será estranha a existência de cinco governos, dos quais quatro sem maioria absoluta no parlamento, nos últimos dez anos. Os trabalhadores saíram várias vezes à rua contra todo este ataque e desbaratamento da produção e riqueza nacionais. No início de 2008, derrubaram o ministro da Saúde com fortes protestos populares contra o encerramento de centros de saúde, maternidades e hospitais. Mas quem, desde essa altura, esteve na vanguarda da luta contra as reformas do Governo do Partido Socialista (PS) foram os professores do ensino primário, básico e secundário.
O combativo movimento dos professores mobilizou-se em grandes manifestações em Lisboa, uma em Março e outra em Novembro de 2008, ambas com mais de 100.000 professores, uma outra, convocada por movimentos alternativos aos sindicatos, apenas uma semana depois desta última, com 12.000. Realizaram duas greves com mais de 90% de adesão em Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009 e uma manifestação mais em plena campanha eleitoral para as eleições europeias com 50 mil, em finais de Maio de 2009.
A burocracia sindical, dirigida pelo Partido Comunista (PCP), tentou desde o início que todo o descontentamento e fúria fossem resolvidas nas três eleições consecutivas que se deram em 2009, europeias, legislativas e locais. E, na sua tradicional linha, fizeram tudo para impedir que se somassem em unidade as lutas de toda a administração pública e dos enfermeiros, numa batalha constante contra os movimentos independentes dos sindicatos que surgiram e pressionaram a burocracia a ir até onde não queria. O Bloco de Esquerda (BE) assumiu a linha burocrática dos sindicatos, pondo um pé nos movimentos independentes apenas para não sair tão chamuscado como o PCP, e também apostando tudo na capitalização política nos atos eleitorais e através dos votos. Estes movimentos independentes fruto da sua inexperiência acabaram cooptados para a palavra de ordem “Não voto PS”, numa clara saída e capitulação oportunista de quem balançava sempre que era necessário enfrentar a burocracia.
Assim, ao final da eleição legislativa de 2009, o governo do PS perde a maioria absoluta que tinha no parlamento e todo o movimento adormece à sombra desta suposta vitória, tendo os sindicatos aproveitando para selar um acordo com a nova equipa ministerial, um acordo que não resolve, nem de perto, a maioria das questões centrais que levaram os professores à luta.
As águas turbulentas dos últimos quatro anos foram acalmadas pelas eleições, mas a situação altera-se tão rapidamente e a burguesia não consegue dar tréguas, fruto da situação econômica acima descrita, e anuncia novo congelamento dos salários para este ano de 2010. No início deste, dá-se um recrudescimento da luta com uma greve de três dias dos enfermeiros junto com a maior manifestação de sempre deste sector. Os funcionários da administração pública saíram também à rua no início de Fevereiro e têm greve convocada para o dia 4 de Março, a que se irão somar os professores, contra o tal congelamento e o fim das quotas na avaliação de desempenho.
A instabilidade continua a ser a pedra de toque tanto política como sindical, o Governo é neste momento um executivo frágil, que junto com a oposição de direita estão acossados por contínuos casos de corrupção. O PCP e o BE estão paralisados na expectativa, os primeiros abrindo cautelosamente as portas de descontentamento dos sindicatos para que a situação não lhes fuja da mão, os segundos amarrados e manietados por um apoio que concederam ao putativo candidato governamental, Manuel Alegre, para as eleições presidenciais de Janeiro de 2011.
A renacionalização da banca e empresas de sectores energéticas, sem indenização e sob controle dos trabalhadores, é a palavra de ordem e a saída imediata para melhorar as condições de vida dos trabalhadores que qualquer organização defensora destes deve adotar.
A situação de debilidade do Governo, que busca a todo o momento pactos com a oposição, a par de um descontentamento para com as direções sindicais abre a porta a movimentos saídos por fora do controlo da burocracia e a explosão de grandes confrontos sociais, a unidade e combatividade dos trabalhadores contra todo o plano de choque que nos aplicarão desde a UE é peça fundamental neste combate.
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