sexta-feira, 22 de abril de 2011

DEM entra numa crise generalizada e o desespero total

DEM desidrata com debandada geral e quer tomar cargos de quem saiu

21/4/2011 11:52,  Por Redação - de Brasília
DEM
Paulo Bornhausen também estaria de saída do DEM
O Democratas (DEM), que já perdeu dez dos seus 43 deputados para o novo partido – o PSD, está pedindo os cargos que esses deputados ocupavam na Câmara por indicação da legenda. O último deputado a comunicar sua desfiliação do DEM foi Júlio Cesar (PI), que ocupa a presidência da Comissão de Agricultura da Câmara. A presidência da comissão foi escolhida pelo DEM, que indicou o deputado.
Segundo a assessoria do DEM, na próxima semana, a liderança do partido vai pedir à presidência da Câmara o cargo de presidente da Comissão de Agricultura e indicar um outro deputado para ocupá-lo, uma vez que esse cargo pertence ao partido. Assim, como vai ocorrer no caso da Comissão de Agricultura, a liderança do partido na Câmara está solicitando todos os cargos ocupados por deputados que estão deixando a legenda para ingressarem em outro partido.
Irritação geral
A crise no partido da ultradireita se agravou, nas últimas horas, com a notícia que o governador Raimundo Colombo, de Santa Catarina, deverá seguir para o PSD, fundado pelo prefeito paulista Gilberto Kassab. Um dos principais líderes conservadores na Câmara, o deputado Ronaldo Caiado (GO) ratificou, nesta quinta-feira, as acusações feitas, na véspera, ao ex-presidente da legenda Jorge Bornhausen de articular a desintegração total da legenda para que PSD possa ser uma espécie de ligação com o governo da presidenta Dilma Rousseff. Bornhausen preferiu não comentar o fato com os jornalistas oui responder ao parlamentar goiano.
– Não vou responder ao Caiado. Na vida a gente aprende a brigar para cima – resumiu Bornhausen.
Caiado acusou o desafeto catarinense de “se acomodar à sombra do poder” e adiantou agora ele trama uma aliança com o PT: “Fracassaram, tentaram covardemente jogar a culpa em outros e saíram….Nós somos o partido da resistência democrática! Que os coveiros fracassados sigam o caminho adesista e de traição. As urnas darão a resposta”, disse o líder ruralista do DEM, no Twitter.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

EUA quer um asilo político para Kadafi

EUA procuram país seguro para um asilo a Gaddafi

17/4/2011 10:05,  Por
Gaddafi
Berlusconi, um dos principais aliados de Gaddafi na Europa, na foto histórica, não quer dar asilo ao amigo
O governo dos Estados Unidos iniciou procura intensa por um país capaz de conferir asilo para o ditador líbio Muammar Gaddafi, noticiou o jornal The New York Times. Contudo, a lista dos candidatos a anfitrião é bastante magra, diante das ações no Tribunal Penal Internacional de Haia (TPI) que se anunciam. Gaddafi poderá ser processado, não só pelas atrocidades cometidas contra seu povo durante as revoltas em curso, como também pela explosão do voo 103 da PanAm, em 21 dezembro de 1988, que custou 270 vidas.
Três altos funcionários da administração Barack Obama informaram ao periódico que a atual consideração é encontrar um Estado não vinculado ao Estatuto de Roma. O tratado de 1998 compromete seus signatários a entregarem às autoridades toda pessoa indiciada pelo TPI.
Responsabilidade dos líbios
Tal cogitação abriria para Gaddafi a perspectiva de ser recebido por uma nação africana, já que a metade dos Estados do continente não assinou o tratado em questão. Os EUA tampouco assinaram o Estatuto de Roma, temendo que seus oficiais militares e do serviço secreto pudessem ser submetidos à corte internacional.
Um dos funcionários entrevistados pelo The New York Times declarou: “Nós aprendemos algumas lições com o Iraque. E uma das mais importantes é: os líbios é que devem ser responsáveis pela mudança de regime, não nós. Estamos simplesmente tentando encontrar uma forma pacífica de organizar a saída (de Gaddafi), se a oportunidade aparecer”.
Na véspera, os presidentes Barack Obama (EUA) e Nicolas Sarkozy (França) e o primeiro-ministro britânico, David Cameron publicaram em quatro grandes jornais um artigo conjunto qualificando como impensável um futuro para a Líbia com o ditador. Os três líderes reafirmaram a intenção de manter a campanha militar junto à Otan, até que Gaddafi tenha sido deposto.
A França também declarou considerar desnecessária uma nova resolução da Organização das Nações Unidas para forçar o líder líbio a renunciar. E a Alemanha sugeriu que os bens líbios congelados no Ocidente sejam transferidos à ONU, a fim de ser empregados na ajuda humanitária às vítimas do conflito gerado no regime de Gaddafi.

Contra o comodismo intelectual

Prosa & Verso – 16 de abril de 2011
CONTRA O COMODISMO INTELECTUAL, por Francisco Carlos Teixeira da Silva
Em seu último livro publicado em vida, o historiador Tony Judt, que morreu em 2010, faz análise crítica do presente
O mal que ronda a Terra, de Tony Judt. Tradução de Celso Nogueira. Editora Objetiva, 216 págs. R$ 34,90
Algumas pessoas simplesmente não deveriam morrer. Tony Judt é uma delas. Tal reflexão emerge da leitura do seu último livro traduzido para o português. Já no título – “O mal que ronda a terra” – somos chamados para um combate: resgatar o pensamento crítico e abandonar o comodismo intelectual. Historiador inglês nascido em 1948, em Londres, Judt teve em sua vida uma parte da história da Europa e do Ocidente na segunda metade do século XX. Nascido numa família judia culta e laica, herdou uma educação típica dos judeus da Europa Central: conhecimento profundo de idiomas europeus, presença marcante da literatura, conhecedor do teatro experimental e de vanguarda e apreciador, quase viciado, do cinema. A capacidade de se mover no universo cultural mais amplo fez com que suas obras refletissem imensa erudição e capacidade de associar, num mosaico variado e rico, um amplo conjunto de experiências e criações para compor suas interpretações do século XX.
Suas obras iniciais, a partir de 1976, dedicadas ao socialismo e ao pensamento de esquerda Frances no inicio do século XX, traduzem uma intima familiaridade com o pensamento marxista e com as experiências socialdemocratas na Europa na antevéspera da emergência dos fascismos. Aos poucos, à luz da perda de criatividade e da crescente arrogância da esquerda – segura que tinha em mãos o futuro, mesmo que nada fizesse para construi-lo -, Judt afastou-se, de forma crítica, das propostas socialistas. Talvez esta tenha sido uma segunda ‘queda’, perda da inocência, que seria acompanhada de outros e seguidos mergulhos numa realidade mais amarga do que o mundo construído pelas palavras de ordem esquerdistas. Antes de decepcionar-se com o marxismo dos intelectuais franceses, Judt já havia se decepcionado com o projeto sionista de Israel. Ele, que na juventude se declarara um judeu sionista-marxista (e tal condição fora viver em Israel), ao final dos anos 70 já é um intelectual maduro, com uma visão crítica tanto do marxismo quanto do sionismo.
A concepção cada vez mais crítica de Judt sobre a vanguarda européia culmina numa obra que une erudição e crítica mordaz: “Passado imperfeito: os intelectuais franceses”. Trata-se de um livro onde Judt questiona, de um lado, o silencio constante dos intelectuais franceses – de Sartre até Foucault – sobre a questão colonial e a exploração do chamado Terceiro Mundo. De outro lado, Judt ironiza e desnuda uma típica faceta da inteligência francesa: sua tentação pelo espetáculo. A arrogância e o esnobismo intelectual Frances são expostos, sem piedade, num livro onde grandes nomes da filosofia, da literatura e das ciências sociais francesas são apresentados no seu contexto etnocêntrico e vaidoso.
Contudo, é em “Pós-Guerra” que a face de historiador de Judt emerge em toda a sua plenitude. Numa obra exemplar da moderna história do tempo presente, Judt compõe um amplo afresco – a imagem pictoria se adéqua perfeitamente à sua obra – do mundo que emerge da Segunda Guerra Mundial. O livro, paradigmático, deve ser lido em várias chaves simultâneas: a descrição de uma Europa que vai se tornando menor e proviciana; a construção de uma narrativa múltipla e comparativa e, em fim, a busca de fontes alternativas – para além do material dos arquivos clássicos, que aliás Judt usa abundantemente -, tais como o cinema, o teatro, os esportes, a canção e até mesmo o vestuário. Em seu conjunto, é uma obra modelar e que rompe com os cânones da escrita pesada e dura da academia buscando faixas cada vez mais amplas de leitores.

Críticas ao mercado e a defesa da socialdemocracia
No alvorecer do século XXI Judt enfrenta forte lobby de neossionistas, em especial dos novos políticos e publicistas de Israel, eivados de uma visão messiânica e instrumental da História. É um debate duro, ácido e no limite do cruel. Para Judt, a única solução para o sofrimento de ambos os povos na Palestina seria a criação de um estado binacional em ambas as margens do Jordão. O debate, longo de anos, opõe Judt a várias associações judaicas americanas, culminando no cancelamento de palestras e na retirada de convites. Mas no auge da crise Judt já se voltava para um novo tema: a ditadura do mercado e a religião do enriquecimento.
Este último livro de Judt, agora apresentado em português pela Objetiva (que ainda este ano lança a coletânea póstuma de ensaios pessoais de Judt, “The memory chalet”), remete diretamente para estas novas preocupações. Seu subtítulo – “Um tratado sobre as insatisfações do presente” – o situa ao lado do vasto legado de pensadores como Freud, Adorno, Marcuse ou Bauman. As interrelações entre desigualdade – a palavras mais repetida em todo o livro – e a imensa gama de manifestações de mal-estar moderno (desde a morte precoce até a perda da individualidade) são o tema central do livro. Nele, Judt explicita com tintas fortes – a raiva que uma amiga mencionada no livro identifica em suas análises – o profundo dano que a ideologia dominante desde os anos 80 até a crise mundial de 2008 impinge às pessoas. As dezenas de filmes, comerciais, talk shows e reality shows onde o mundo é dividido entre “perdedores” e “celebridades” seriam a marca insuperável da banalização do mal-estar. A explicitação e o culto pornográfico da riqueza (em face da fome, da doença e da violência que atinge milhões de pessoas) expressa em horas de TV sobre “a casa”, “a roupa”, ou “o animal de estimação” das celebridades atestaria a desumanização de valores. A concepção, quase antropomórfica do “mercado” – ao qual aplicam-se atributos pessoais do tipo “o mercado pensa”, “o mercado está preocupado” – é, lado a lado, acompanhado da coisificação da pessoa. Para Judt, a única forma de romper com essa opacidade é a crítica intensa, com raiva, da inação de políticos e intelectuais incapazes de reinventar as possibilidades de um futuro diferente.
Algumas pessoas não deveriam morrer. A morte de Judt, em agosto de 2010, deixou o mundo com pouco menos da ira santa pela mudança.

FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA é professor titular de história contemporânea do Laboratório de Estudos do Tempo Presente / UFRJ

Uma crítica ao currículo de História nas escolas estaduais de SP

Uma crítica ao currículo de História nas escolas estaduais de S. Paulo

Por uma professora que prefere não sde identificar.
AVALIAÇÃO DO CURRÍCULO DE HISTÓRIA


Há anos existe uma expectativa, entre os professores de história, de que ocorra uma redução no currículo ou um aumento na carga horária da disciplina. Com a introdução de história da África ficou ainda mais difícil ministrar a matéria, dando conta de toda a história geral, africana e do Brasil. Se nosso objetivo é realizar um trabalho que não seja superficial e que envolva leitura de textos diversificados (também como forma de auxiliar a disciplina de Português) e diferentes interpretações históricas, o currículo dificilmente será cumprido.
Com a adoção dos cadernos do aluno, uma situação já complicada se tornou ainda pior. Havia uma esperança de que houvesse nos cadernos uma redução criteriosa dos conteúdos curriculares. Realizar essa redução seria um trabalho árduo que exigiria uma equipe com amplo conhecimento do aluno da rede; uma equipe que conseguisse vislumbrar o que seria relevante, para o nosso aluno, manter no currículo.
Desnecessário afirmar que os cadernos não cumpriram essa função. Poucos cortes foram feitos, aparentemente aleatórios, e o conteúdo (não a abordagem) seguiu muito similar ao do livro didático. Além desse problema, ocorreu uma severa redução de carga horária, tornando a situação simplesmente desesperadora. Desesperadora porque é impossível realizar as leituras e análises de textos e todas as propostas de atividades que se encontram nos cadernos no pouco tempo que nos restou.
Os alunos apresentam dificuldade de leitura e interpretação; é necessário um estudo do vocabulário do texto e a discussão da idéia principal por parágrafo antes de se discutir o sentido geral do texto. Com relação as atividades dos cadernos, a dificuldade de compreensão é ainda maior em função da inadequação da linguagem à idade e formação do nosso aluno. Os cadernos precisam ser traduzidos. Quando tudo isso termina, há tempo para enriquecer uma aula com um filme ou documentário? Há tempo para participar de algum projeto interdisciplinar da escola?

A título de exemplo, o caderno 2 da 8ª série propõe o seguinte na página 11:

Tempo previsto: 1 aula.
Conteúdo e temas: nazismo, totalitarismo, racismo, xenofobia, ultranacionalismo, militarismo e antissemitismo.

Tenho 31 anos de magistério e me pergunto se algum professor conseguiu realizar seriamente essa atividade com uma turma com uma média de idade de 14 anos. Também me questiono se isso não é fazer uma simplificação da História, se a abordagem não se torna tão superficial que retira da disciplina qualquer sentido. Compreender os processos históricos, inserí-los no seu tempo não é tarefa fácil, mas sempre imaginei que fosse esse nosso objetivo. Caso contrário, corre-se o risco de transformar nosso passado e nossas raízes em um show de variedades sem o menor sentido para o aluno.

Os problemas envolvendo o currículo são ainda mais graves para o aluno do noturno. O material é o mesmo apesar das aulas de menor duração, da oscilação na freqüência e da maior dificuldade de concentração devido ao cansaço do aluno trabalhador. Os cadernos incluem várias propostas para realizações de pesquisas que o aluno do noturno não tem a menor condição de realizar. Levar o aluno à sala de informática poderia ser uma solução mas isso demandaria mais aulas e mais tempo do que o estabelecido na proposta dos cadernos.

É relevante também salientar que há muito pouca interação curricular entre as disciplinas nos cadernos. Por exemplo: Renascimento é abordado em Artes na 1ª série do EM e na 2ª em História. Se a interdisciplinaridade fosse adotada de fato, na certa ganharíamos tempo.
Por último, a questão da abordagem do conteúdo também é importante de ser mencionada. É válido ou necessário se iniciar o estudo da Primeira Guerra Mundial, com alunos da periferia da 8ª série, discutindo-se armamento? É conveniente, tendo-se em vista o que os alunos já presenciam nas favelas, elaborar cartazes sobre as armas para ficarem expostos pela escola? Da mesma forma, pode-se questionar a abordagem escolhida para apresentar o Renascimento aos nossos alunos da 2ª série do EM. Se se pode discutir a produção cultural e os valores oriundos de uma sociedade em que o homem está no centro das atenções, por que optar pela análise comparativa de mapas? O que pode servir de exemplo para um jovem que vive numa sociedade consumista, em que o lucro, a técnica e o “tirar vantagem de tudo” representam a regra?
Talvez, se houvesse um pouquinho mais de confiança no trabalho do professor e no conhecimento que ele tem do alunado com o qual convive diariamente, não estivéssemos nesta situação. A minha sensação é de uma profunda angústia. Deixei de fazer o que fazia bem e aquilo que acreditava para simplesmente correr atrás do tempo. O que não deixa de ser uma ironia para uma professora de história.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Site da novela AMOR E REVOLUÇÃO



 

Dois artigos sobre a ditadura militar

Leia em História e-História

por Webmaster História e-História


A prisão de Amadeu Felipe da Luz Ferreira, um dos guerrilheiros participantes da Guerrilha do Caparaó.
Fonte: Brasil Escola
“Exportar a revolução”: Cuba e a luta armada no Brasil, por Rafael Leite Ferreira e Mirthyani da Silva Bezerra.
O objetivo deste texto é refletir sobre a influência da Revolução Cubana, em 1959, no desencadeamento e atuação dos grupos revolucionários, surgidos na América Latina, e no Brasil, a partir da década de 1960. Uma vez que o surgimento de tais movimentos se deu dentro de um contexto muito maior – a Guerra Fria –, optamos por dividir o trabalho em quatro partes. A primeira diz respeito a uma breve análise da política mundial entre as décadas de 1950 e 1960. A segunda parte trata da própria Revolução Cubana, ou melhor, dos motivos que levaram os guerrilheiros a se rebelarem contra o regime do ditador Fulgencio Batista e a optarem pelo socialismo como forma de governo. Confira…


O imaginário anticomunista e o golpe civil-militar de 1964, por Michel Goulart da Silva.
No Brasil, ao longo do século XX, diferentes formas de ideologias conservadoras foram elaboradas e reelaboradas, apresentando na maior parte das vezes o comunismo como um grande e temível inimigo, sempre pronto a pôr fim à “ordem” e ao “progresso” cristão e democrático. No contexto do golpe de 1964, por exemplo, se afirmava que “os vermelhos tinham introduzido toneladas de munição por contrabando, havia guerrilheiros bem adestrados, os escalões inferiores das Forças Armadas estavam infiltrados, planos pormenorizados estavam prontos para a apropriação do poder”. Confira…

O pensamento primitivo e Stalin como bode expiatório

O pensamento primitivo e Stalin como bode expiatório
 
Por Domenico Losurdo
 
Neste artigo Domenico Losurdo responde ao historiador trotskista Jean-Jacques Marie, que publicou recentemente uma resenha do seu livro  "Stalin - História crítica de uma lenda negra". O texto se intitulava  "O socialismo do Gulag!".  O polêmico e instigante livro de Losurdo  foi publicado no Brasil pela Editora Revan em 2010 
 
Jamais se poderá avaliar de modo satisfatório a sabedoria da frase atribuída a Georges Clemenceau: a guerra é uma coisa muito séria para que seja entregue aos generais! Na verdade, em seu ardente chauvinismo e anticomunismo, o primeiro-ministro francês mantinha uma consciência bastante lúcida em relação ao fato de os especialistas (neste caso, os especialistas da guerra) frequentemente serem capazes de ver as árvores, mas não a floresta, eles se deixam absorver pelos detalhes perdendo de vista o global; neste caso eles sabem tudo, menos o que é essencial. À afirmação de Clemenceau se é rapidamente levado a pensar quando se lê a crítica intransigente que Jean-Jacques Marie queria destinar a meu livro sobre Stalin. Pelo que parece, o autor é um dos maiores especialistas sobre “trotskismo-logia” e se põe a demonstrá-lo em qualquer circunstância.

1- Stalin liquidado pelo Relatório secreto, o Relatório secreto liquidado pelos historiadores

Ele começa imediatamente a contestar minha afirmação segundo a qual Kruschev “se propõe derrotar Stalin em todos os aspectos”. Ainda assim, é o grande intelectual trotskista Isaac Deutscher que destaca que o Relatório secreto menciona Stalin como um “enorme, tenebroso, extravagante, degenerado monstro humano”. No entano, esse retrato não é suficientemente monstruoso aos olhos de Marie! O meu livro assim continua: na arguição pronunciada por Kruschev, “por ser responsável por crimes horrendos, era um indivíduo desprezível seja no plano moral seja no plano intelectual.

Além de desumano, o ditador era também risível”. Basta pensar no pormenor sobre o qual se detém Kruschev: “é preciso ter presente que Stalin preparava os seus planos em cima de um mapamundi. Sim, companheiros, ele marcava a linha da frente de batalha sobre o mapamundi” (p. 27-29 da edição francesa). O quadro aqui traçado sobre Stalin é claramente caricatural: como fez para derrotar Hitler a URSS que era dirigida por um líder criminoso e imbecil ao mesmo tempo? E como chegou esse líder criminoso e imbecil ao mesmo tempo a reger pelo “mapamundi” uma batalha épica como aquela de Stalingrado, combatida de bairro a bairro, de rua a rua, de terreno a terreno, de porta a porta? Ao invés de responder a essas contestações, Marie se preocupa em demonstrar que – enquanto maior especialista de “trotskismo-logia” – conhece de memória também o Relatório Kruschev e se põe a citá-lo por toda parte, em aspectos que não têm nada a ver com o problema em discussão!

Como demonstração do fato de essa total aniquilação de Stalin (no plano intelectual além do moral) não subsistir à investigação histórica, chamo a atenção para dois pontos: historiadores eminentes (de nenhum dos quais se pode suspeitar ser filo-stalinista) falam de Stalin como o “maior líder militar do século XX”. E vão ainda além: atribuem-lhe um “talento político excepcional” e o consideram um político “super competente” que salva a nação russa da dizimação e escravização a que é destinada pelo Terceiro Reich, graças não apenas a sua astuta estratégia militar, mas também aos “magistrais” discursos de guerra, por vezes verdadeiros e apropriados “atos de bravura” que, em momentos trágicos e decisivos, chegam a estimular a resistência nacional. E ainda não é tudo: historiadores ardorosamente antistalinistas reconhecem a “perspicácia” com que ele trata a questão nacional no escrito de 1913 e o “efeito positivo” de sua “contribuição” para a linguística (p. 409).

Em segundo lugar, faço notar que já em 1966 Deutscher demonstrava sérias dúvidas sobre a credibilidade do Relatório secreto: “não o considero a ponto de aceitar sem reservas as assim ditas “revelações” de Kruschev, particularmente sua afirmação de na Segunda Guerra Mundial (e na vitória sobre o Terceiro Reich) Stalin apenas ter desempenhado um papel praticamente insignificante” (p. 407). Hoje, à luz de novo material à disposição, não são poucos os estudiosos que acusam Kruschev de ter recorrido à mentira. E, portanto: se Kruschev realiza a aniquilação total de Stalin a historiografia mais recente anula a credibilidade do assim dito Relatório secreto.

De que maneira Marie responde a tudo isso? Resume o ponto de vista não apenas o meu como também o dos autores citados por mim (inclusive o trotskista Deuscher) com o clichê: “Vade retro, Kruschev!”. Ou seja, o grande especialista de “trotskismo-logia” acredita poder exorcizar as dificuldades insuperáveis com que se depara pronunciando duas palavras em latim (eclesiástico)!

Vejamos um segundo exemplo. No início do segundo capítulo (“Os bolcheviques: do conflito ideológico à guerra civil”), eu analiso o conflito que se desenvolve por ocasião da paz de Brest-Litowsky. Bukharin denuncia o “declínio camponês em nosso partido e no poder soviético”; outros bolcheviques se desligam do partido; outros até declaram já desprovido de valor o próprio poder soviético. Em sentido oposto, Lênin expressa sua indignação por essas “palavras esquivas e monstruosas”. Já em seus primeiros meses de vida, a Rússia soviética vê se desenvolver um conflito ideológico de extrema rispidez e a ponto de se transformar em guerra civil.

E tão mais facilmente se transformará em guerra civil – observo em meu livro – já que, com a morte de Lênin, “vem a desaparecer uma indiscutível autoridade”. Antes – acrescento –, segundo um ilustre historiador burguês (Conquest), já naquela ocasião Bukharin havia acalentado a ideia de um golpe de Estado (p. 71). Como Marie responde a tudo isso? Novamente, ele exibe toda a sua erudição de grande, e talvez máximo, especialista de “trotskismo-logia”, mas não faz nenhum esforço para responder às questões que se impõem: se o conflito mortal que sucessivamente aflige o grupo dirigente bolchevista é culpa apenas de Stalin (o pensamento primitivo não pode passar sem o bode expiatório), como explicar a dura troca de acusações que Lênin condena como “monstruosas”, as frases pronunciadas por aqueles que estimulam a “degeneração” do partido comunista e do poder soviético? E como explicar o fato de Robert Conquest – que dedicou toda a sua existência a demonstrar a sordidez de Stalin e dos processos de Moscou – falar de um projeto de golpe de Estado contra Lênin, cultivado ou acalentado por Bukharin?

Não sabendo o que responder, Marie me acusa de manipulador e escreve até que – no que se refere à ideia de golpe de Estado acalentada por Bukharin – eu cito apenas a mim mesmo. Não tenho tempo a perder com insultos. Limito-me a fazer notar que à página 71, nota 137, cito um historiador (Conquest) que não é inferior a Marie nem em erudição nem no zelo antistalinista.

2- De que maneira os trotskistas para Marie insultam Trotsky

Com a morte de Lênin e a consolidação do poder de Stalin, o conflito ideológico se torna cada vez mais uma guerra civil: a dialética de Saturno que, de um modo ou de outro, se manifesta em todas as grandes revoluções, desgraçadamente não poupa nem mesmo os bolcheviques. Desenvolvo essa tese na segunda parte do segundo capítulo, citando uma série de personalidades entre as muitas diferentes (que revelam a existência de um aparato clandestino e militar criado pela oposição) e citando, sobretudo, Trotsky. Sim, Trotsky em pessoa declara que a luta contra “a oligarquia burocrática” stalinista “não comporta solução pacífica”. É sempre ele que declara que “o país se dirige notoriamente em direção à revolução”, em direção a uma guerra civil, e que, “no âmbito de uma guerra civil, o assassinato de alguns opressores não diz respeito mais ao terrorismo individual”, mas é parte integrante da “luta mortal” entre os alinhamentos opostos (p. 104). Como se vê, pelo menos neste caso, o próprio Trotsky coloca em dificuldade a mitologia do bode expiatório.

Compreende-se o embaraço totalmente particular de Marie. E então? Conhecemos já a ostentação de erudição como cortina de fumaça. Vamos à substância. Entre as inúmeras e muito diferentes personalidades por mim citadas, Marie escolhe duas: a uma (Malaparte) considera incompetente, à outra (Feuchtwanger) tacha como agente mercenário a serviço do crime e imbecil que se encontra no Kremlim. E assim o jogo é feito: a guerra civil desaparece e novamente o primitivismo do bode expiatório pode festejar seus êxitos. Mas recusar-se a levar em consideração os argumentos utilizados por um grande intelectual, como Feuchtwanger, para limitar-se a tachá-lo como agente mercenário a serviço do inimigo: geralmente não é esse o modo de proceder considerado “stalinista”? E, sobretudo: o que devemos pensar do testemunho de Trotsky que fala de “guerra civil” e de “luta mortal”? Não é um paradoxo o grande especialista e sumo sacerdote da “trotskismo-logia” constranger ao silêncio a divindade por ele venerada? Sim, mas não é o único paradoxo e nem mesmo o mais ressonante.
Vejamos: Trotsky não apenas compara Stalin a Nicolau II (p. 104) como vai além: no Kremlim se encontra um “provocador a serviço de Hitler”, ou “a marionete de Hitler” (p. 126 e 401). E Trotsky, que se gabava de ter muitos partidários na União Soviética e que, antes, segundo Broué (biógrafo e hagiógrafo de Trotsky), tinha conseguido infiltrar seus “fiéis” até no interior da GPU, não havia feito nada para destruir o poder contrarrevolucionário do novo czar ou do escravo do Terceiro Reich? Marie termina retratando Trotsky como um simples tagarela que se limita a uma basófia verbal de taberna, ou como um revolucionário desprovido de coerência e até medroso e vil. O paradoxo mais gritante é que sou de fato constrangido a defender Trotsky contra alguns de seus apologetas!

Digo “alguns de seus apologetas” pelo fato de nem todos serem tão despreparados como Marie. A propósito da impiedosa “guerra civil” que se desenvolve entre os bolcheviques o meu livro observa: “Estamos diante de uma categoria que constitui o fio condutor da pesquisa de um historiador russo (Rogovin), de firme e declarada fé trotskista, autor de uma obra em vários volumes, dedicada a registrar a reconstrução minuciosa dessa guerra civil. Nela se fala, a propósito da Rússia soviética, de “uma guerra civil preventiva” desencadeada por Stalin contra aqueles que se organizam para derrotá-lo. Também aos de fora da URSS, essa guerra civil se manifesta e em partes arrebenta na frente de combate contra Franco; e, com efeito, em referência à Espanha de 1936-39, se fala não de uma, mas de “duas guerras civis”. Com grande honestidade intelectual e tirando proveito do novo e rico material documentário disponível, graças à abertura dos arquivos russos, o autor aqui citado chega à conclusão: “Os processos de Moscou não foram um crime imotivado e a sangue frio, mas a reação de Stalin ao longo de uma arguta luta política”.

Polemizando com Alexander Soljenítsin, que menciona as vítimas das purgações como um bando de “coelhos”, o historiador trotskista russo cita um folhetinho que nos anos 1930 chamava a varrer do Kremlim “o ditador fascista e sua camarilha”. Depois, comenta: “Mesmo do ponto de vista da legislação russa hoje em vigor esse folhetinho deve ser analisado como um apelo a uma violenta derrocada do poder (mais exatamente do estrato superior dominante)”. Em conclusão, bem longe de ser expressão de “um ataque de violência irracional e insensata”, o sanguinário terror desencadeado por Stalin é, na realidade, o único modo com que ele consegue dobrar a “resistência das verdadeiras forças comunistas” (p. 117-118).

Assim se expressa o historiador trotskista russo. Mas Marie – para não renunciar ao seu primitivismo e à procura de um bode expiatório (Stalin) sobre o qual concentrar todos os pecados do Terror e da União Soviética em seu conjunto – prefere seguir os passos de Soljenítsin e apresentar Trotsky como um “coelho”.

3- Traição ou contradição objetiva? A lição de Hegel

No âmbito do quadro por mim traçado, permanecem firmes os méritos de Stalin: ele compreendeu uma série de pontos essenciais: a nova fase histórica que se abria com a falência da revolução no Ocidente; o período de colonização escravista que ameaçava a Rússia soviética; a urgência de recuperação do atraso em relação ao Ocidente; a necessidade de conquista de ciência e tecnologia mais avançadas e a consciência de que a luta por tal conquista pode ser, em determinadas circunstâncias, um aspecto essencial, e mesmo decisivo, para a luta de classe; a necessidade de coordenar patriotismo e internacionalismo e a compreensão do fato de uma vitoriosa luta de resistência e de libertação nacional (como foi a Grande guerra patriótica) constituir-se na mesma época uma contribuição de primeiríssimo plano à causa internacionalista da luta contra o imperialismo e o capitalismo.

Stalingrado lançou os requisitos para a crise do sistema colonial em escala planetária. O mundo de hoje caracteriza-se por crescentes dificuldades do mesmo neocolonialismo; pela prosperação de países como China e Índia e, mais no geral, da civilização na mesma época subjugada ou humilhada pelo Ocidente; pela crise da doutrina Monroe e pelo esforço de certos países latino-americanos de unir luta contra o imperialismo com a construção de uma sociedade pós-capitalista. Pois bem, este mundo não é presumível sem Stalingrado.

E, no entanto, uma vez dito isso, é possível compreender a tragédia de Trotsky. Depois de ter reconhecido o grande papel por ele desempenhado no curso da Revolução de Outubro, o meu livro assim descreve o conflito que vem a se formar com a morte de Lênin: “Na medida em que um poder carismático era ainda possível isso tendia a tomar corpo na figura de Trotsky, o genial organizador do Exército vermelho e brilhante orador e prosador que pretendia encarnar as esperanças de triunfo da revolução mundial e que para isso fazia avançar a legitimidade de sua aspiração a governar o partido e o Estado.

Stalin, porém, era a encarnação do poder legal-tradicional que procurava penosamente tomar forma: ao contrário de Trotsky – ligado tardiamente ao bolchevismo – ele representava a continuidade histórica do partido protagonista da revolução e, em seguida, detentor de nova legalidade; para além disso afirmando a realizabilidade do socialismo mesmo em um único (grande) país, Stalin infundia uma nova dignidade e identidade à nação russa que, assim, superava a crise assustadora – fictícia mais do que concreta – irrompida a partir da derrota e do caos da Primeira Guerra Mundial, e reencontrava a sua continuidade histórica.

Mas exatamente por isso os adversários gritavam “traição”, enquanto traidores aos olhos de Stalin e de seus partidários surgiam todos com seu aventurismo facilitando a intervenção de potências estrangeiras, colocavam em perigo, em última análise, a sobrevivência da nação russa – que era na mesma época o destacamento de vanguarda da causa revolucionária. O choque entre Stalin e Trotsky é um conflito não apenas entre dois programas políticos, mas também entre dois princípios de legitimação” (p. 150).

Em certo ponto, diante da radical novidade do quadro nacional e internacional, Trotsky se convence (sem razão) de que em Moscou havia uma contrarrevolução e age em conformidade a isso. No quadro traçado por Marie, ao contrário, Trotsky e seus partidários – apesar de terem conseguido se infiltrar na GPU e em outros setores vitais do aparato estatal – sem lutar deixaram-se vencer e massacrar pela contrarrevolução criminosa e idiota que foi instalada no Kremlim. Não há dúvida, é essa a leitura – para ridicularizar particularmente Trotsky, apequenando e para tornar medíocres e irreconhecíveis todos os protagonistas da grande tragédia histórica que se desenvolveu na esteira da Revolução Russa (como em todas as grandes revoluções).

Com o objetivo de compreender de modo adequado tal tragédia, é preciso fazer apelo a uma categoria de contradição objetiva estimada por Hegel (e por Marx). Desgraçadamente, porém – adverte o meu livro –, Stalin como Trotsky compartilham a mesma pobreza filosófica: não conseguem avançar para além dessa troca recíproca de acusação de traição: “De uma parte e de outra, mais do que se empenhar na análise laboriosa das contradições objetivas, e das opostas opções e dos conflitos políticos que se desenvolvem sobre tal base, prefere-se recorrer com ligeireza à categoria de traição e, em sua configuração extrema, o traidor se torna agente consciente e corrompido pelo inimigo. Trotsky não se cansa de denunciar “a conspiração da burocracia stalinista contra a classe operária”, e a conspiração é tão mais abjeta pelo fato de a “burocracia stalinista” não ser nada além do que “um aparato de transmissão do imperialismo”. É apenas o caso de dizer que Trotsky vem generosamente recebendo o troco na mesma moeda. Ele se lamenta de ter sido tachado como “agente de uma potência estrangeira”, mas, por sua vez, tacha Stalin como “agente provocador a serviço de Hitler” (p. 126).

Menos que nunca, Marie – que efetivamente ironiza minha frequente citação de Hegel – dispôs-se a problematizar a categoria de “traição”. No debate ora em curso quem é, pois, o “stalinista”?

4- O comparativismo como instrumento de luta contra as fraudes da ideologia dominante

Até aqui vimos no grande especialista de “trotskismo-logia” um esforço de erudição com fim em si mesma ou utilizada como cortina de fumaça. E, no entanto, em Marie é preciso reconhecer um raciocínio, ou melhor, uma tentativa de raciocínio. No momento em que faço uma comparação entre os crimes de Stalin – ou a ele atribuídos – e aqueles cometidos pelo Ocidente liberal e seus aliados, Marie contesta: “Então, na pátria triunfante do socialismo (porque para Losurdo o socialismo surgiu na URSS) e que concretizou a unidade dos povos é normal que sejam utilizados os mesmos procedimentos dos chefes de países capitalistas ou de um obscurantista feudal e até do czar Nicolau II”. Examinemos essa refutação. Até deixamos de lado as imprecisões, os exageros ou os verdadeiros e próprios mal-entendidos. Em nenhuma parte falo da URSS ou de outro país como “a pátria triunfante do socialismo”; em meus livros escrevi, pelo contrário, que o socialismo é um “processo de aprendizado” difícil e de maneira nenhuma concluído.

Mas concentremo-nos no essencial. Da Revolução de Outubro até nossos dias constante é a tendência de a ideologia dominante demonizar tudo aquilo que tem alguma relação com a história do comunismo. Como fiz notar em meu livro, por algum tempo Trotsky foi tachado de ser (a exemplo de Goebbels) aquele que “talvez em sua consciência tenha o número de crimes mais alto que nunca antes pesou sobre um homem” (p. 343); sucessivamente essa obscura primazia foi atribuída a Stalin e hoje a Mao Tsetung; estão por ser igualmente criminalizados Tito, Ho Chi Minh, Castro etc. Devemos suportar essa “demonização” que – como sustento no último capítulo de meu livro – é apenas a outra face da “agiografia” do capitalismo e do imperialismo?

Vejamos de que maneira a essa manipulação maniqueísta reage Marx. Quando a burguesia do seu tempo – aceitando motivo para o assassinato dos reféns e para o incêndio espalhado pelos Communards – denuncia a Comuna de Paris como sinônimo de infame barbárie Marx responde que as práticas de tomada (e de eventuais assassinatos) de reféns e de ateamento de incêndios foram inventadas pelas classes dominantes e que, de qualquer modo, pelo que diz respeito a incêndios, seria preciso distinguir entre “vandalismo por uma defesa desesperada” (aquele dos communards) e “vandalismo por prazer”.

Marie me faz muita honra quando polemiza comigo sobre esse ponto: ele faria bem em fazer o mesmo diretamente com Marx. Ou, se pudesse, com Trotsky, que age também do mesmo modo com que fui censurado: no libreto A sua moral e a nossa, Trotsky se refere a Marx, já citado por mim, e – para rebater a acusação segundo a qual os bolcheviques, e apenas eles, se inspiram no princípio segundo o qual “o fim justifica os meios” (violentos e brutais) – chama em causa o comportamento não apenas da burguesia do século XIX e XX, como também (...) o de Lutero, protagonista da guerra de extermínio contra Müntzer e os camponeses.

Mas, agarrado como está ao culto à erudição, Marie não reflete nem mesmo sobre textos dos autores por ele mais estimados. E, na verdade, me ironiza dando à sua intervenção o título “O socialismo de Gulag!”. Naturalmente, com essa mesma ironia por aí poderiam ser feitas chacotas da Rússia soviética de Lênin (e de Trotsky): “O socialismo (ou a revolução socialista) da Ceka”, ou “o socialismo (ou a revolução socialista) da tomada de reféns” (tenha-se presente que, em A sua moral e a nossa, Trotsky é obrigado a defender-se até da acusação de ter recorrido a essa prática). Na realidade, com a ironia cara a Marie pode-se liquidar qualquer revolução. Temos então: “A Comuna dos reféns fuzilados”, “a liberdade e a igualdade da guilhotina” etc. De outra parte, não se trata de exemplos imaginários: foi assim que a tradição de pensamento reacionária liquidou a Revolução Francesa (e, sobretudo, o jacobinismo), a Comuna de Paris, a Revolução Russa etc.

Marx resumiu a metodologia do materialismo histórico na afirmação segundo a qual “os homens fazem sua história sozinhos, mas não em circunstâncias escolhidas por eles”. Ao invés de pegar os gestos dessas lições para investigar os erros, os dilemas morais, os crimes dos protagonistas de cada grande crise histórica, Marie indica essa simples alternativa: ou os movimentos revolucionários são soberanamente superiores – e, antes, milagrosamente transcendentes em relação ao mundo histórico, e às contradições e aos conflitos do mundo histórico – no âmbito em que eles se desenvolvem, ou aqueles movimentos revolucionários são uma completa ruína e um engano completo. E assim a história dos revolucionários em seu conjunto se configura como a história de uma única, ininterrupta e miserável ruína e engano. E mais uma vez Marie se coloca na vala da tradição do pensamento reacionário.

5- O socialismo como processo de aprendizado trabalhoso e incompleto

Eu disse que a construção do socialismo é um processo de aprendizado trabalhoso e incompleto. Mas exatamente por isso é preciso empenhar-se em dar respostas: o socialismo e o comunismo comportam a total eliminação de identidades e até de idiomas nacionais, ou tem razão Castro quando diz que os comunistas tiveram culpa por subestimar o peso que a questão nacional continua a exercer mesmo depois da revolução anti-imperialista e anticapitalista?

Na sociedade do futuro previsível não haverá mais lugar para nenhum tipo de mercado e nem para o dinheiro, ou devemos tirar proveito da lição de Gramsci, segundo a qual é preciso ter presente o caráter “determinado” do “mercado”? Em relação ao comunismo Marx fala algumas vezes de “extinção do Estado”, e outras de “extinção do Estado no atual sentido político”: são duas fórmulas entre si sensivelmente diferentes; em qual das duas pode-se inspirar? São esses problemas a provocar entre os bolcheviques, primeiro um ríspido conflito ideológico e depois a guerra civil; e a esses problemas é preciso responder se se quiser restituir credibilidade ao projeto revolucionário comunista, evitando as tragédias do passado. Com esse espírito é que escrevi primeiro Fuga da história? A Revolução Russa e a Revolução Chinesa hoje e, depois, Stalin.

História e crítica de uma lenda negra. Sem confrontar tais problemas não se poderá nem compreender o passado nem projetar o futuro. Sem confrontar tais problemas, aprender de memória até os mínimos detalhes da biografia (ou da agiografia) deste ou daquele protagonista de Outubro de 1917 servirá apenas para confirmar a profundidade do lema caro a Clemenceau: como a guerra é uma coisa muito séria para ser entregue a generais e especialistas da guerra, também a história da própria tragédia de Trotsky (para não falar da grande e trágica história do movimento comunista em seu conjunto) é uma coisa muito séria para ser entregue a especialistas e generais da trotskismo-logia.

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Tradução: Lucilia Ruy