sábado, 25 de julho de 2009

Os cinco clamores da Amazônia

*Os cinco clamores da Amazônia - **24/7/2009**  -
> http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=24170
> *
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> O grito dos povos, o grito da terra, o grito das águas, o grito das
> florestas e o grito da cidade são os cinco clamores da Amazônia. O relato é
> de *Jelson Oliveira<http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=6136>
> *, professor de Filosofia da *PUCPR*, agente da* CPT-PR* e assessor do *12º
> Encontro Intereclesial das* *CEBs*.
>
> O texto a seguir foi escrito a partir da síntese dos debates de um dos
> “Rios” (como são chamados os 12 grupos que reúnem cerca de 250 pessoas) em
> torno da realidade amazônica.
>
> *Eis o texto.*
>
> O encontro das *Comunidades Eclesiais de Base* está reunindo nessa semana em
> Porto Velho, Rondônia, quase três mil pessoas. O tema do encontro é No
> ventre da terra, o grito que vem da Amazônia. Com os pulmões inflados pelo
> ar quente que sopra no coração do Brasil, os delegados, assessores e
> convidados celebram, refletem, debatem e partilham experiências em torno da
> missão das Igrejas na defesa da natureza. Trata-se de um verdadeiro
> pentecostes, como vem sendo chamado esse entusiasmado encontro de
> diversidades.
>
> Na pauta das discussões está o equívoco de uma civilização que contrapõe
> desenvolvimento e natureza, gerando um desequilíbrio que prioriza o primeiro
> à custa da degradação da segunda. Num dos pratos dessa falsa balança, estão
> as empresas e corporações que mercantilizam e esgotam a terra, e também
> estão os governos federal, estaduais e municipais, com obras gigantescas que
> privilegiam os grandes e sacrificam os pequenos. Vista como uma zona de
> sintropia – para usar uma expressão dos especialistas – a Amazônia assiste a
> depredação da riqueza e da beleza de suas águas, biodiversidade e energia
> (os três maiores alvos do sistema capitalista que vigora como pensamento
> único em muitos gabinetes).
>
> Desde Rondônia, com a voz das *Comunidades Eclesiais de Base*, a Amazônia
> toda grita pelo seu povo, pela sua terra, pelas suas águas, pela floresta e
> pelas cidades.
>
> *O grito dos povos*
>
> A Amazônia grita pela voz rouca de seus povos, tão próximos da suavidade
> rumorosa pela qual fala toda a natureza.  Pluriétnica, pluricultural e
> plurirreligiosa, a Amazônia grita pela boca dos 12 mil indígenas, povos
> primitivos, resistentes e ressurgidos que habitam essas terras há pelo menos
> 12 mil anos. A Amazônia grita pela boca dos 21 mil quilombolas, moradores de
> quase 1.500 comunidades que lutam pelo direito de viver e cuidar de suas
> terras. A Amazônia grita pela boca dos migrantes da borracha, que desde o
> século XIX ocupam como escravos os aviamentos e colocações e retiram a seiva
> da floresta. Herdeiros de *Chico Mendes,* o patriarca da Amazônia, eles são
> hoje 26 mil moradores das 35 reservas extrativistas que se espalham por toda
> a região.
>
> A Amazônia grita pela boca dos ribeirinhos e pescadores, guardiões da
> sacralidade das águas, dos lagos santuários, das caixas pesqueiras, dos
> rios, igarapés e nascentes que fazem desta, a terra das águas. A Amazônia
> grita pela boca dos posseiros, camponeses, sem terra e assentados que somam
> quase um milhão e meio de pessoas. A Amazônia grita pela boca dos colonos e
> migrantes pobres: do nordeste, vítimas da seca; do sul e sudeste, vítimas
> dos modelos de colonização atraídos para essas terras com a pretensão de
> diminuir os conflitos sociais de suas regiões de origem. A Amazônia grita
> pela boca das dezenas de milhares de trabalhadores que vivem em regime de
> escravidão pelos grotões da região.
>
> A Amazônia grita pela boca dos 15 milhões de moradores urbanos, 13% dos
> quais analfabetos, 14% sem teto, 46% sem água encanada, mais de 80% sem
> esgoto, vítimas da pior oferta de atendimento de saúde do Brasil, portadores
> de doenças tão antigas como a malária, a dengue e a febre amarela –
> enfermidades que não despertam o interesse da ultra-moderna medicina e das
> sequiosas indústrias farmacêuticas meramente por se caracterizarem como
> “doenças de pobre” ou “doenças da pobreza”.
>
> O Brasil, que há muito tempo não conhece a Amazônia e que reservou a esse
> bioma tantas depreciações e preconceitos, tem a chance agora, pela voz
> desses povos, de ouvir o que diz a Amazônia.
>
> *O grito da terra*
>
> A Amazônia grita pela voz da mãe-terra, morada sagrada de todos os seres,
> berço do qual viemos e colo no qual acalentamos nossos sonhos e esperanças.
> Terra disputada pelo capital, rasgada e violentada pelas mineradoras,
> garimpos e siderúrgicas, profanada pelo agronegócio monocultor da pecuária
> (que de 1990 a 2003 cresceu 140% na região), da soja e da cana, militarizada
> em nome da segurança nacional, ameaçada pela internacionalização,
> globalizada pelo narcotráfico, pela prostituição, pela fome e pelo abandono.
> Terra poluída pelos defensivos agrícolas, contaminada pelo mercúrio,
> corrompida pelo silêncio dos campos nos quais a vida deu lugar ao artefato,
> o natural foi substituído pelo artificial, o território da vida pelo negócio
> explorador. E agora, o pior: legalmente grilada, entregue aos interesses dos
> latifundiários pela *medida
> 458<http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=22987>
> ,* editada pelo governo *Lula*.
>
> Pelo grito da terra que é *Gaia*, a deusa primeira dos gregos e que é *
> Pachamama*, a mãezinha dos povos latinoamericanos, todos nós gritamos. Como
> crianças arrancadas do seio de sua mãe. Como órfãos de um tempo de
> desequilíbrio e descuido que fere a mais íntima essência daquilo que
> constitui o ser humano.
>
> *O grito das águas*
>
> Desde quando fora batizada pelos indígenas de amassunu, que quer dizer
> "ruído de águas, água que retumba", a Amazônia tem sido conhecida como a
> terra das águas. Nela se encontra 20% das reservas de água não congelada do
> mundo. No ventre das terras amazônicas escorre lento e pegajoso o maior rio
> do mundo, o Marañon-Solimões-Amazonas. São 6.671 quilômetros abastecidos por
> uma gigantesca rede de mais de 1.100 rios, além de incontáveis igarapés,
> corredeiras e nascentes que garantem a vida de tudo o que está à sua volta -
> como no texto bíblico do profeta *Ezequiel* (47, 1-12).
>
> Leite da terra sugado lentamente pelo existir das raízes que penetram o
> corpo da terra, a água escorre pelo ventre da madeira que se ergue
> portentosa e se lança na atmosfera em “rios voadores” que abastecem todo o
> continente americano e interferem no clima de todo o planeta. A quantidade
> de água coletada e transportada por esse maravilhoso sistema é equivalente à
> vazão do rio Amazonas, ou seja, cerca de 200 mil metros cúbicos por segundo.
>
>
> Mas a Amazônia chora lágrimas de água barrenta, fétida e amarga. Inúmeras
> hidrelétricas foram ou estão sendo construídas, colocando em risco muitos
> eco-socio-sistemas. As águas gritam contra a poluição e a contaminação
> causadas pelo uso extensivo de agrotóxicos e pelo derrame de esgotos, pela
> morte dos mananciais e nascentes sob as máquinas do hidro-agronegócio, pelo
> desperdício e pela privatização.
> A força das pororocas e seu ronco inebriante que rompe todos os obstáculos e
> celebra a força da natureza é a grande inspiração do povo das *CEBs* na
> defesa das águas amazônicas.
>
> *O grito das florestas*
>
> Sobre o corpo portentoso das terras amazônicas, erguem-se as florestas e
> seus inúmeros seres: 55 mil plantas (22% das espécies do mundo), 1 mil tipos
> de aves, 300 tipos de mamíferos, 550 répteis, 163 anfíbios, 3 mil peixes e
> milhões de insetos e microorganismos. A floresta esconde seus segredos e
> preserva suas grandiosidades: 30% da fauna e flora do mundo estão na
> Amazônia. A floresta guarda o seu povo, seus bichos e suas lendas. A
> floresta canta sua ladainha de nomes, frutos e plantas de variadas espécies
> que vem sendo destruídas e extintas. Num tempo no qual três espécies
> biológicas são extintas por hora no mundo (72 por dia!) e no qual,
> paradoxalmente, se criam em laboratório milhões de espécies alteradas
> geneticamente, a floresta da Amazônia grita por socorro.
>
> O desmatamento tem atingido índices alarmantes: em 2004, foram extraídas 6,2
> milhões de árvores da floresta, entre 2006 e 2007 foram desmatados 11.532
> quilômetros quadrados fazendo com que a floresta hoje já tenha perdido pelo
> menos 20% do seu tamanho original, ou seja, 700 mil quilômetros quadrados de
> floresta foram destruídos.
>
> A floresta amazônica grita no ventre abrasador das carvoarias, nos dentes
> ásperos das madeireiras, nos saques diários realizados por laboratórios
> farmacêuticos e na pilhagem da biopirataria. A floresta grita nas raízes
> ressecadas pelas queimadas que conduzem à desertificação. A floresta grita
> isolada entre as cercas das pastagens, das culturas exóticas de eucaliptos e
> pinus, dos intermináveis horizontes do deserto verde que se alastra e engole
> a vida da floresta.
>
> *O grito da cidade*
>
> A Amazônia conta com inúmeros conjuntos populacionais de grande ponte, entre
> os quais se destaca Manaus, que conta hoje com cerca de 2 milhões de
> habitantes. Além disso, somam-se inúmeros pequenos povoamentos ainda
> ruralizados e empobrecidos, nos quais 46% das casas não contam com
> distribuição de água e cerca de 75% das famílias com crianças até 14 anos
> ganham até 1 salário mínimo. O crescimento desordenado das periferias, o
> aumento do desemprego e da violência, a falta de saneamento, de atendimento
> de saúde e educação, o aumento da drogadição, a falta de políticas de lixo,
> etc, formam a triste realidade dos moradores urbanos da Amazônia.
>
> *Lamento e resistência*
>
> O grito de lamento vem se transformando num grito de resistência. O *12º
> Encontro Intereclesial das* *CEBs* tem revelado a força do povo amazônico na
> construção de alternativas e de lutas contra o modelo de desenvolvimento que
> tem fechado os ouvidos para esses clamores. No coração da Amazônia surgem
> reservas extrativistas, projetos de assentamento agroextrativistas, projetos
> sustentáveis, comunidades quilombolas, luta dos posseiros e atingidos por
> barragens, experiências de preservação e recuperação de lagos e rios, redes
> agroecológicas, artesanato, apicultura e inúmeras alternativas de economia
> solidária. Surgem fóruns e conselhos, experiências de formação política, de
> participação das mulheres e uma imensa rede de organização popular e
> eclesial.
>
> Aqui em Rondônia, nesse Encontro, estão muitos homens e mulheres que fazem
> essa realidade e, pouco a pouco, transformam o abandono em esperança. É por
> isso que a frase de *Dom Moacir Grecchi*, arcebispo de Porto Velho, ecoou
> com tanto êxito: “pessoas simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco
> importantes, provocam mudanças extraordinárias”. Esse é o sentimento e a
> certeza que acalenta os corações das *CEBs*, cuja nomenclatura terá de
> acrescentar agora, por sugestão de *Leonardo Boff*, a ecologia: *Comunidades
> Ecológicas de Base. Pelo grito das CEBs a Igreja se faz ecológica! *

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