*Os cinco clamores da Amazônia - **24/7/2009** - > http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=24170 > * > > > > O grito dos povos, o grito da terra, o grito das águas, o grito das > florestas e o grito da cidade são os cinco clamores da Amazônia. O relato é > de *Jelson Oliveira<http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=6136> > *, professor de Filosofia da *PUCPR*, agente da* CPT-PR* e assessor do *12º > Encontro Intereclesial das* *CEBs*. > > O texto a seguir foi escrito a partir da síntese dos debates de um dos > “Rios” (como são chamados os 12 grupos que reúnem cerca de 250 pessoas) em > torno da realidade amazônica. > > *Eis o texto.* > > O encontro das *Comunidades Eclesiais de Base* está reunindo nessa semana em > Porto Velho, Rondônia, quase três mil pessoas. O tema do encontro é No > ventre da terra, o grito que vem da Amazônia. Com os pulmões inflados pelo > ar quente que sopra no coração do Brasil, os delegados, assessores e > convidados celebram, refletem, debatem e partilham experiências em torno da > missão das Igrejas na defesa da natureza. Trata-se de um verdadeiro > pentecostes, como vem sendo chamado esse entusiasmado encontro de > diversidades. > > Na pauta das discussões está o equívoco de uma civilização que contrapõe > desenvolvimento e natureza, gerando um desequilíbrio que prioriza o primeiro > à custa da degradação da segunda. Num dos pratos dessa falsa balança, estão > as empresas e corporações que mercantilizam e esgotam a terra, e também > estão os governos federal, estaduais e municipais, com obras gigantescas que > privilegiam os grandes e sacrificam os pequenos. Vista como uma zona de > sintropia – para usar uma expressão dos especialistas – a Amazônia assiste a > depredação da riqueza e da beleza de suas águas, biodiversidade e energia > (os três maiores alvos do sistema capitalista que vigora como pensamento > único em muitos gabinetes). > > Desde Rondônia, com a voz das *Comunidades Eclesiais de Base*, a Amazônia > toda grita pelo seu povo, pela sua terra, pelas suas águas, pela floresta e > pelas cidades. > > *O grito dos povos* > > A Amazônia grita pela voz rouca de seus povos, tão próximos da suavidade > rumorosa pela qual fala toda a natureza. Pluriétnica, pluricultural e > plurirreligiosa, a Amazônia grita pela boca dos 12 mil indígenas, povos > primitivos, resistentes e ressurgidos que habitam essas terras há pelo menos > 12 mil anos. A Amazônia grita pela boca dos 21 mil quilombolas, moradores de > quase 1.500 comunidades que lutam pelo direito de viver e cuidar de suas > terras. A Amazônia grita pela boca dos migrantes da borracha, que desde o > século XIX ocupam como escravos os aviamentos e colocações e retiram a seiva > da floresta. Herdeiros de *Chico Mendes,* o patriarca da Amazônia, eles são > hoje 26 mil moradores das 35 reservas extrativistas que se espalham por toda > a região. > > A Amazônia grita pela boca dos ribeirinhos e pescadores, guardiões da > sacralidade das águas, dos lagos santuários, das caixas pesqueiras, dos > rios, igarapés e nascentes que fazem desta, a terra das águas. A Amazônia > grita pela boca dos posseiros, camponeses, sem terra e assentados que somam > quase um milhão e meio de pessoas. A Amazônia grita pela boca dos colonos e > migrantes pobres: do nordeste, vítimas da seca; do sul e sudeste, vítimas > dos modelos de colonização atraídos para essas terras com a pretensão de > diminuir os conflitos sociais de suas regiões de origem. A Amazônia grita > pela boca das dezenas de milhares de trabalhadores que vivem em regime de > escravidão pelos grotões da região. > > A Amazônia grita pela boca dos 15 milhões de moradores urbanos, 13% dos > quais analfabetos, 14% sem teto, 46% sem água encanada, mais de 80% sem > esgoto, vítimas da pior oferta de atendimento de saúde do Brasil, portadores > de doenças tão antigas como a malária, a dengue e a febre amarela – > enfermidades que não despertam o interesse da ultra-moderna medicina e das > sequiosas indústrias farmacêuticas meramente por se caracterizarem como > “doenças de pobre” ou “doenças da pobreza”. > > O Brasil, que há muito tempo não conhece a Amazônia e que reservou a esse > bioma tantas depreciações e preconceitos, tem a chance agora, pela voz > desses povos, de ouvir o que diz a Amazônia. > > *O grito da terra* > > A Amazônia grita pela voz da mãe-terra, morada sagrada de todos os seres, > berço do qual viemos e colo no qual acalentamos nossos sonhos e esperanças. > Terra disputada pelo capital, rasgada e violentada pelas mineradoras, > garimpos e siderúrgicas, profanada pelo agronegócio monocultor da pecuária > (que de 1990 a 2003 cresceu 140% na região), da soja e da cana, militarizada > em nome da segurança nacional, ameaçada pela internacionalização, > globalizada pelo narcotráfico, pela prostituição, pela fome e pelo abandono. > Terra poluída pelos defensivos agrícolas, contaminada pelo mercúrio, > corrompida pelo silêncio dos campos nos quais a vida deu lugar ao artefato, > o natural foi substituído pelo artificial, o território da vida pelo negócio > explorador. E agora, o pior: legalmente grilada, entregue aos interesses dos > latifundiários pela *medida > 458<http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=22987> > ,* editada pelo governo *Lula*. > > Pelo grito da terra que é *Gaia*, a deusa primeira dos gregos e que é * > Pachamama*, a mãezinha dos povos latinoamericanos, todos nós gritamos. Como > crianças arrancadas do seio de sua mãe. Como órfãos de um tempo de > desequilíbrio e descuido que fere a mais íntima essência daquilo que > constitui o ser humano. > > *O grito das águas* > > Desde quando fora batizada pelos indígenas de amassunu, que quer dizer > "ruído de águas, água que retumba", a Amazônia tem sido conhecida como a > terra das águas. Nela se encontra 20% das reservas de água não congelada do > mundo. No ventre das terras amazônicas escorre lento e pegajoso o maior rio > do mundo, o Marañon-Solimões-Amazonas. São 6.671 quilômetros abastecidos por > uma gigantesca rede de mais de 1.100 rios, além de incontáveis igarapés, > corredeiras e nascentes que garantem a vida de tudo o que está à sua volta - > como no texto bíblico do profeta *Ezequiel* (47, 1-12). > > Leite da terra sugado lentamente pelo existir das raízes que penetram o > corpo da terra, a água escorre pelo ventre da madeira que se ergue > portentosa e se lança na atmosfera em “rios voadores” que abastecem todo o > continente americano e interferem no clima de todo o planeta. A quantidade > de água coletada e transportada por esse maravilhoso sistema é equivalente à > vazão do rio Amazonas, ou seja, cerca de 200 mil metros cúbicos por segundo. > > > Mas a Amazônia chora lágrimas de água barrenta, fétida e amarga. Inúmeras > hidrelétricas foram ou estão sendo construídas, colocando em risco muitos > eco-socio-sistemas. As águas gritam contra a poluição e a contaminação > causadas pelo uso extensivo de agrotóxicos e pelo derrame de esgotos, pela > morte dos mananciais e nascentes sob as máquinas do hidro-agronegócio, pelo > desperdício e pela privatização. > A força das pororocas e seu ronco inebriante que rompe todos os obstáculos e > celebra a força da natureza é a grande inspiração do povo das *CEBs* na > defesa das águas amazônicas. > > *O grito das florestas* > > Sobre o corpo portentoso das terras amazônicas, erguem-se as florestas e > seus inúmeros seres: 55 mil plantas (22% das espécies do mundo), 1 mil tipos > de aves, 300 tipos de mamíferos, 550 répteis, 163 anfíbios, 3 mil peixes e > milhões de insetos e microorganismos. A floresta esconde seus segredos e > preserva suas grandiosidades: 30% da fauna e flora do mundo estão na > Amazônia. A floresta guarda o seu povo, seus bichos e suas lendas. A > floresta canta sua ladainha de nomes, frutos e plantas de variadas espécies > que vem sendo destruídas e extintas. Num tempo no qual três espécies > biológicas são extintas por hora no mundo (72 por dia!) e no qual, > paradoxalmente, se criam em laboratório milhões de espécies alteradas > geneticamente, a floresta da Amazônia grita por socorro. > > O desmatamento tem atingido índices alarmantes: em 2004, foram extraídas 6,2 > milhões de árvores da floresta, entre 2006 e 2007 foram desmatados 11.532 > quilômetros quadrados fazendo com que a floresta hoje já tenha perdido pelo > menos 20% do seu tamanho original, ou seja, 700 mil quilômetros quadrados de > floresta foram destruídos. > > A floresta amazônica grita no ventre abrasador das carvoarias, nos dentes > ásperos das madeireiras, nos saques diários realizados por laboratórios > farmacêuticos e na pilhagem da biopirataria. A floresta grita nas raízes > ressecadas pelas queimadas que conduzem à desertificação. A floresta grita > isolada entre as cercas das pastagens, das culturas exóticas de eucaliptos e > pinus, dos intermináveis horizontes do deserto verde que se alastra e engole > a vida da floresta. > > *O grito da cidade* > > A Amazônia conta com inúmeros conjuntos populacionais de grande ponte, entre > os quais se destaca Manaus, que conta hoje com cerca de 2 milhões de > habitantes. Além disso, somam-se inúmeros pequenos povoamentos ainda > ruralizados e empobrecidos, nos quais 46% das casas não contam com > distribuição de água e cerca de 75% das famílias com crianças até 14 anos > ganham até 1 salário mínimo. O crescimento desordenado das periferias, o > aumento do desemprego e da violência, a falta de saneamento, de atendimento > de saúde e educação, o aumento da drogadição, a falta de políticas de lixo, > etc, formam a triste realidade dos moradores urbanos da Amazônia. > > *Lamento e resistência* > > O grito de lamento vem se transformando num grito de resistência. O *12º > Encontro Intereclesial das* *CEBs* tem revelado a força do povo amazônico na > construção de alternativas e de lutas contra o modelo de desenvolvimento que > tem fechado os ouvidos para esses clamores. No coração da Amazônia surgem > reservas extrativistas, projetos de assentamento agroextrativistas, projetos > sustentáveis, comunidades quilombolas, luta dos posseiros e atingidos por > barragens, experiências de preservação e recuperação de lagos e rios, redes > agroecológicas, artesanato, apicultura e inúmeras alternativas de economia > solidária. Surgem fóruns e conselhos, experiências de formação política, de > participação das mulheres e uma imensa rede de organização popular e > eclesial. > > Aqui em Rondônia, nesse Encontro, estão muitos homens e mulheres que fazem > essa realidade e, pouco a pouco, transformam o abandono em esperança. É por > isso que a frase de *Dom Moacir Grecchi*, arcebispo de Porto Velho, ecoou > com tanto êxito: “pessoas simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco > importantes, provocam mudanças extraordinárias”. Esse é o sentimento e a > certeza que acalenta os corações das *CEBs*, cuja nomenclatura terá de > acrescentar agora, por sugestão de *Leonardo Boff*, a ecologia: *Comunidades > Ecológicas de Base. Pelo grito das CEBs a Igreja se faz ecológica! *
sábado, 25 de julho de 2009
Os cinco clamores da Amazônia
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário