Livro destaca a importância dos anos de 1980 para a democratização do Brasil
Débora Motta
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Livro analisa a contribuição política dos movimentos sociais nos anos 1980 |
Os anos de 1980 entraram para a história recente do Brasil como “a década perdida”, em alusão à crise econômica que foi um entrave ao desenvolvimento do País na época. Políticas recessivas, arrochos salariais, desemprego e o fantasma da inflação eram fatores que reduziam o poder de compra do brasileiro e contribuíam para acelerar o processo de concentração de renda. Mas a década conhecida por esses desafios é pouco lembrada como aquela em que a revitalização política contribuiu definitivamente para a transição e consolidação do regime democrático. Essa é a perspectiva discutida no livro História de uma década quase perdida – PT, CUT, crise e democracia no Brasil: 1979-1989, do historiador Gelsom Rozentino de Almeida.
“A década de 1980 não foi perdida porque nela ocorreram lutas políticas fundamentais para a conquista de liberdades e direitos. Ela abrange os últimos anos da ditadura militar, com o general presidente João Figueiredo; a transição conservadora com a eleição indireta de Tancredo Neves, que morreu antes de assumir; e, logo em seguida, a posse de José Sarney. A década fecha com a primeira eleição direta de um presidente após a abertura política, Fernando Collor, em 1989”, resume o autor. Na obra – publicada com recursos do programa de Apoio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ, pela editora Garamond –, Rozentino oferece uma abordagem pouco explorada no campo historiográfico. “A maior parte da produção acadêmica sobre a contribuição política dos anos 1980 era de cientistas políticos e sociais, não de historiadores”, conta.
Tempo de mudanças
Para o historiador, que escreveu o livro a partir da pesquisa realizada para sua tese de doutorado, defendida na Universidade Federal Fluminense (UFF), a década de 1980 foi marcada pelo protagonismo da sociedade civil, apesar de ter sido problemática do ponto de vista econômico. “Não podemos esquecer que nesse período intensificaram-se um sem-número de debates, campanhas e propostas promovidos pela classe trabalhadora, por meio do movimento sindical e dos movimentos sociais, como as associações de moradores e os movimentos negro e indígena, além de uma rica diversidade de organizações não-governamentais”, contextualiza Rozentino.
Segundo o pesquisador, três agentes políticos que despontaram na época podem ser considerados a base do processo de redemocratização que marcou os anos 1980: o Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). “O processo de democratização e organização da sociedade brasileira a partir da ação desses três agentes e a sua relação com o Estado é o eixo central proposto para o livro”, destaca.
Primeiro partido político surgido da classe operária, ainda durante a ditadura militar, o Partido dos Trabalhadores foi, de acordo com o autor, a principal articulação política da época para a retomada da democracia no País. "Diferente de um partido tradicional, o PT era um bloco político contrahegemônico aos interesses das classes dominantes. Sua proposta inicial era ser um partido das massas, que apontava para o socialismo, mesmo sem ter definido como esse deveria ser. Mesmo com a derrocada do socialismo, com a queda do Muro de Berlim, em 1989, o PT ganhava força no País naquele ano com a participação de Lula na campanha presidencial, perdida por pouco para Collor", explica. "Neste sentido, considero a eleição presidencial de 1989 um momento crucial para a história do Brasil, com dois grandes projetos em disputa: um, democrático-popular, representado por Lula; outro, neoliberal, representado por Collor. Esta vitória deu início a uma reconfiguração política – acentuada após o impeachment – e a hegemonia do capital financeiro", pondera.
A força de mobilização da Central Única dos Trabalhadores, acentuada nas diversas greves gerais que eclodiram ao longo dos anos 1980, é outro ponto destacado na obra. Para Rozentino, a criação da CUT, em 1983, é um desdobramento do “novo sindicalismo”, um movimento sindical marcado pela concentração de trabalhadores de setores de ponta da economia da época, como a indústria automobilística, a metalomecânica e a siderúrgica, no ABC paulista. “A CUT, em sua origem, criticava a estrutura sindical oficial e buscava representar outros movimentos sociais, além do sindical, desempenhando papel vital na organização da classe trabalhadora”, avalia.
Já o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra completou o tripé da luta pela redemocratização. “O MST foi responsável, nos anos 1980, por fazer com que a bandeira da reforma agrária fosse levantada como uma questão estratégica para o desenvolvimento nacional, para além dos interesses dos sem-terra”, ressalta o pesquisador. Para Rozentino, a atuação dos três agentes políticos era complementar: “Os anos 80 representaram um período de grandes ganhos políticos para os trabalhadores, com o aprendizado das lutas sociais que garantiram a transição da ditadura militar para a democracia”, conclui.
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