*Quantidade versus qualidade no sistema educacional* - Otaviano Helene -
01.03.2012
Entre os problemas quantitativos do nosso sistema educacional estão, por
exemplo, a pequeníssima taxa de atendimento na educação infantil (cerca de
20% na faixa etária até os 4 anos), a altíssima evasão escolar antes mesmo
do término do ensino fundamental, da ordem de 30%, e a baixa taxa de
conclusão do ensino médio (apenas cerca de 50% daqueles que ingressam no
sistema escolar concluem esse nível educacional). Isso significa, por
exemplo, que, a cada ano, perto de um milhão de pessoas entram na idade
adulta sem, sequer, o ensino fundamental completo e outras cerca de 700 mil
sem o ensino médio, números assustadores e capazes de comprometer
significativamente nossas possibilidades de desenvolvimento social e
cultural, e com graves repercussões em nossas possibilidades econômicas
futuras.
Nas décadas recentes, quando esses problemas quantitativos foram
enfrentados, o foram em detrimento dos aspectos qualitativos. Exemplo
marcante disso é o que ocorreu ao longo da segunda metade da década de
1990. Nesse período, as taxas de matrícula e de conclusão dos ensinos
fundamental e médio aumentaram significativamente. Entretanto, esse aumento
ocorreu sem que fossem fornecidos ao sistema educacional os meios
necessários para atender ao aumento do número de estudantes. Esses meios
são formados, basicamente, por recursos financeiros, necessários para a
contratação de mais profissionais e para construir, equipar e manter
escolas.
Durante aquele período de crescimento das matrículas, os recursos públicos,
medidos como percentual do PIB, não apenas não cresceram como apresentaram
reduções em alguns anos. Como resultado, o desempenho médio dos estudantes
foi significativamente reduzido ao longo do período, como mostra a média
das pontuações das avaliações feitas pelo Sistema de Avaliação da Educação
Básica dos estudantes das quarta e oitava séries do ensino fundamental e
terceira do ensino médio, em matemática e português. Em resumo: mais
estudantes com os mesmos recursos resultam em pior desempenho, o que parece
óbvio.
A correlação entre indicadores quantitativos, qualitativos e de recursos,
observada na segunda metade de década de 1990, é corroborada pelo que
ocorreu depois disso. Ao longo da década que se iniciou em 2000, os números
de concluintes e matrículas nos ensino fundamental e médio praticamente se
estagnaram (e em patamares bastante baixos). Entretanto, nesse mesmo
período, em especial na sua segunda metade, os recursos destinados à
educação pública (onde está a enorme maioria dos estudantes da educação
básica) aumentaram. Esse aumento é explicável pela melhora nas arrecadações
de impostos havida no período e esta, por sua vez, explicável pelo aumento
da produção econômica por meio do setor formal. Como os gastos com educação
são definidos, constitucionalmente, com base na arrecadação de impostos,
eles também aumentaram. Assim, passou-se a atender a um mesmo número de
estudantes com mais recursos, acontecendo o inverso do que vimos na década
anterior: o desempenho, agora medido pelo Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB), melhorou entre 2005 e 2009 de uma média 3,6 para
4,1. Entretanto, pagamos um preço muito alto por essa melhora: deixamos de
incluir no sistema educacional enormes contingentes de jovens e crianças.
Quando o desempenho dos nossos estudantes é comparado com o desempenho dos
estudantes de outros países, nossos problemas qualitativos assustam ainda
mais. Há um programa internacional de comparação do desempenho de
estudantes de 15 anos de idade e que tenham menos do que três anos de
defasagem idade-série, o PISA (programa da OCDE que examina a proficiência
em leitura, matemática e ciências (1)), que, em sua versão de 2009, avaliou
estudantes de 65 países. Menos do que 1% dos nossos estudantes de 15 anos
de idade atinge os dois níveis superiores de uma escala que vai de 1 a 6,
padrão atingido por cerca de 10% dos estudantes dos países mais
desenvolvidos.
No outro extremo, daqueles que sequer atingiram o primeiro nível da escala,
estão 21% dos nossos estudantes de 15 anos, contra 5% dos países da OCDE (e
3% dos membros da OCDE que fizeram parte do bloco socialista e apenas 1%
dos finlandeses). A diferença é muito grande, e seria ainda maior se fossem
incluídos na amostra todos os nossos jovens de 15 anos de idade, muitos dos
quais não foram considerados no levantamento por já terem sido excluídos da
escola ou apresentarem defasagem idade-série superior a dois anos,
problemas que praticamente inexistem nos países mais desenvolvidos.
Nessa comparação internacional, o objetivo não é fazer um ranqueamento dos
países para ilustrar como estamos mal. O objetivo é entender as nossas
possibilidades de inserção soberana entre as demais nações quando países
muito menos populosos que o nosso ou pequenas regiões dos países mais
populosos têm um número maior de estudantes bem preparados (níveis 5 e 6 na
escala do PISA) do que o Brasil como um todo.
No ensino superior, a qualidade é comprometida pelo pequeno número de
estudantes bem preparados que conclui o ensino médio e pela enorme
privatização do setor. De fato, o Brasil é um dos recordistas mundiais em
privatização e, talvez para desgosto dos defensores do liberalismo, os EUA
não estão entre eles. E, pior, privatização dominada por instituições
mercantis que, como regra, oferecem cursos com apelo mercadológico, em
regiões geográficas e áreas do conhecimento que não correspondem nem às
necessidades de profissionais do país nem às carências das diferentes
regiões. Essa privatização fez com que, em comparação com os demais países,
tenhamos uma concentração muito alta de estudantes em cursos de baixos
retornos cultural, social e econômico e poucos (ou pouquíssimos) em áreas
relacionadas ao desenvolvimento do setor produtivo e à promoção do bem
estar da população.
Assim, a expansão do ensino superior por meio do setor privado, coisa para
a qual todos os governos federais e muitos dos estaduais e municipais
contribuíram durante o último meio século, não só não foi suficiente para
nos colocar em uma posição quantitativa compatível com nossa realidade
econômica e social, como comprometeu, de forma gravíssima, a qualidade do
sistema.
É fundamental reverter essa situação, enfrentando simultaneamente os
problemas qualitativos e quantitativos. Entretanto, para que essa tarefa
faça parte das agendas governamentais (dos municípios, dos estados e da
União), muita luta ainda é necessária, inclusive e especialmente com o
objetivo de aumentar os recursos públicos dirigidos ao setor educacional.
Notas:
(1) Program for International Student Assessment (Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes). Os percentuais citados correspondem a valores
médios dos desempenhos em leitura, matemática e ciências.
Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP, foi presidente do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep).
Um comentário:
parabéns pelo blog!!!
realmente os problemas são muitos, e a vontade por parte do políticos em resolve-los é minima.
gostaria de deixar meu blog para que possamos trocar ideias e informações.
http://professornetomota.blogspot.com/
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