sábado, 5 de abril de 2008

O que será do futuro dos sitios arqueológicos?

SOB A ÉGIDE DA "ENERGIA LIMPA"  EÓLICAS IMPACTARÃO O MEIO AMBIENTE E
DESTRUIRÃO SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS MILENARES
 
Durante realização de prospecção arqueológica de superfície na área
destinada à construção de 3 (três) usinas eólicas da empresa Bons
Ventos, localizadas no município de Aracati, entre a praia de Canoa
Quebrada e a localidade do Cumbe, descobrimos 71 ocorrências
arqueológicas, entre 53 sítios arqueológicos e 19 áreas vestigiais.
Esta quantidade pode ser superior tendo em vista que este trabalho foi
realizado no primeiro semestre quando os ventos são mais brandos na
costa cearense. Um diagnóstico realizado na segunda metade do ano
poderá duplicar a quantidade de sítios, tendo em vista que sob a ação
dos alísios de SE, que remobilizam um volume maior de areia, sempre
novos sítios são descobertos, conforme tivemos oportunidade de
observar em outros trechos do litoral oeste.
As evidências atestam uma longa ocupação da zona estuarina do
Jaguaribe, nosso principal recurso hídrico, iniciada por volta de
5000/6000 AP (Antes do Presente) quando a retomada paulatina da
tropicalização na área litorânea transformou áreas inóspitas em
ambientes privilegiados de ocupação. As ocupações dos arcaicos
marisqueiros deste período inicial foram seguidas por ocupações de
grupos ceramistas Tupi e Tapuias e, em momentos mais recentes, por
instalações dos séculos XVIII e XIX. A diversidade verificada na
cultura material atesta a confluência de etnias distintas que
certamente disputavam os melhores sítios de coleta de moluscos e
outros recursos marinhos.
Em virtude da expressiva quantidade de sítios detectada no local e da
grande diversidade de vestígios, representada por adornos, fusos,
pesos utilizados na atividade de pesca, vasilhas cerâmicas,
instrumentos lascados, cachimbos, lâminas de machado polido, estes
últimos só encontrados de forma descontextualizada em museus
cearenses, nosso diagnóstico foi desfavorável à construção de qualquer
empreendimento no local solicitando que a área fosse destinada a
pesquisas acadêmicas sistemáticas.
Hoje nos preocupa o fato de que todo o litoral cearense, repleto de
sítios arqueológicos em seus 573 quilômetros , esteja mapeado em
vários pontos da sua extensão por empresas de energia eólica que sob a
égide da "energia limpa" provocarão a destruição de sítios
arqueológicos milenares.
Preocupa-nos também o fato de que, apesar do grande número de áreas
arqueológicas já identificadas no Ceará, as pesquisas ainda sejam
bastante incipientes, diferentemente do que ocorre em todos os outros
estados do Brasil. Com isso, os vestígios deixados pelos antigos
habitantes do território relacionado ao atual ainda não foram objeto
de investigações contínuas por meio de elaboração de teses. Tal
problemática tem a ver em grande escala com a falta de interesse das
universidades públicas do Ceará (UFC, UECE, URCA, UVA) para com as
pesquisas arqueológicas, que sendo uma atividade exclusivamente
científica deve ser gerenciada pelas universidades e não por empresas
particulares.
Desta forma, entendemos que os trabalhos de arqueologia no Ceará não
podem restringir-se às intervenções emergenciais da arqueologia de
salvamento, impondo-se a necessidade urgente de pesquisas
arqueológicas acadêmicas para que tenhamos um maior aproveitamento das
informações obtidas por meio de pesquisas que se estendam por um
período mais longo. Como não contamos com pesquisas arqueológicas
acadêmicas, a arqueologia cearense está entregue tão somente à
arqueologia de salvamento. O nosso receio neste momento é que muitas
informações sejam perdidas antes que tenhamos oportunidade de
sistematizar estes estudos face às exigências dos grandes
empreendimentos.
Posicionando-nos também contra o empreendimento das eólicas de
Aracati, tendo em vista que o tempo necessário ao salvamento dos
sítios arqueológicos seria inconciliável com os prazos propostos pelo
empreendedores que pretendem entregar a obra em dezembro de 2008,
inviabilizando qualquer atividade preliminar nos sítios antes da
chegada das máquinas. Neste caso, seríamos obrigados tão somente a
trabalhar em concomitância com a obra, procedimento este que seria
desastroso para a salvaguarda do patrimônio arqueológico local.
Convém lembrar que em arqueologia de salvamento é comum proceder ao
acompanhamento da obra para verificar a presença de vestígios em
profundidade, porém em empreendimentos eólicos este procedimento é
inviável, tendo em vista que as máquinas abrem verdadeiras crateras em
áreas de sedimentos não consolidados (dunas). Isto não permite a
visualização das estruturas e vestígios por parte do arqueólogo e por
outro lado põe em risco a segurança do mesmo. Este aspecto é
fundamental para lembrarmos a necessidade de estudos anteriores à
construção de um empreendimento desta natureza.
O IPHAN do Ceará e de Brasília, representados pelos técnicos Olga
Paiva e Rogério Dias, inclusive não aptos a dar um parecer
arqueológico, tendo em vista não possuírem formação na área,
desconsideraram nosso diagnóstico com receio de serem chamados para
prestar contas com a Casa Civil da ministra atualmente posta na
berlinda e oportunizaram a entrada de uma equipe na área para proceder
apressadamente ao resgate arqueológico dos sítios, sem antes abrir uma
discussão mais ampla sobre os nossos resultados. Discussão esta que
deveria envolver a nossa equipe, um arqueólogo do IPHAN e outras
instituições acadêmicas com tradição em arqueologia, como a USP e a
UFPE, por exemplo, além das universidades locais e o Ministério
Público, pois afinal de contas, as descobertas nos colocaram diante de
uma situação excepcional, tendo em vista o significativo potencial da
área e o grande impacto de construção deste empreendimento,
erroneamente compreendido como mínimo.
Ampliando a nossa visão, entendemos também ser imperativa e
emergencial uma ampla discussão acerca do impacto ambiental gerado
pela construção das eólicas em áreas de preservação permanente (dunas
e restingas – Resolução Conama 303/2002) vedadas ao uso econômico e
caracterizadas pela intocabilidade (Resolução Conama 369/2006).
A construção provocará impacto aos campos de dunas móveis da região,
um dos mais expressivos do Estado, fundamentais na dinâmica da zona
costeira e no controle dos processos erosivos (Resolução Conama
341/2003).
No mais, a execução do empreendimento interferirá drasticamente na
excepcional beleza cênica e paisagística das dunas do Cumbe, Barra do
Aracati e Canoa Quebrada com a alocação de 67 aerogeradores
(cataventos).
No tocante aos aspectos arqueológicos, vale lembrar ainda que o IPHAN
recebeu um Plano de Resgate dos Sítios Arqueológicos elaborado pelo
arqueólogo Walter Morales sem que ele e a sua equipe tivesse estado na
área para visualizar as ocorrências, compreender a natureza dos
processos de deposição e pós-deposição ali evidenciados, da
distribuição espacial das ocorrências, para propor um cronograma e uma
metodologia adequada. Da mesma forma, sem ter ainda postos os pés no
local, a equipe teve um orçamento aprovado pela empresa responsável
pelo empreendimento.
O que nos impressiona é que quando se é contratado por empresas
públicas ou privadas para execução de trabalhos, uma das exigências
primordiais, inclusive listada em editais, é que o contratado entregue
declaração de que conhece a área, de que já esteve no local,
correndo-se o risco de ser penalizado caso o conteúdo da informação
não seja verdadeiro.
Gostaríamos também de aproveitar esta oportunidade para sugerir que as
universidades públicas cearenses (UECE, UFC, URCA,UVA) saiam da
letargia em que se encontram na atualidade e assumam juntamente com a
sociedade e os órgãos legais e culturais, a defesa do patrimônio
arqueológico local que com os seus vestígios funcionam como um elo
entre as sociedades passadas e atuais. Estas últimas devem ter acesso
às informações acerca deste valioso bem cultural.

Verônica Viana (arqueóloga)
Manuelina Duarte (arqueóloga)
Valdeci Santos (arqueólogo)
Karlla Soares (Historiadora)
Luci Danielli A. de Sousa (Historiadora)
Daniel Luna Machado (Historiador e Mestrando em Arqueologia)
Igor Pedroza (graduando em história UECE)
Cibele Nascimento (graduanda em história UECE)

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