O Perigo da Intervenção nos Sindicatos
Nesta edição do nosso informativo, estamos publicando a entrevista que a Coordenadora Nacional da Corrente Ecetistas em Luta, Anai Caproni, concedeu no início do mês de outubro ao Jornal Causa Operária, para esclarecer a tendência do judiciário brasileiro em intervir nos sindicatos operários, estabelecendo à volta da ditadura, na medida em que estão sendo esmagados os direitos constitucionais dos trabalhadores de se organizar independentes dos patrões, seus governos e juízes.
A entrevista esclarece a base “legal” usada pelos juízes para atacar as organizações dos trabalhadores, e qual a motivação para este ataque nos sindicatos dos Correios, ou seja, a privatização da ECT. Leiam:
Ataque à organização dos trabalhadores
“Denunciar a mudança da legislação e a clara tentativa do governo de passar por cima da Constituição, trazendo de volta a intervenção nos sindicatos”
Causa Operária entrevista nesta semana Anaí Caproni, coordenadora da corrente nacional Ecetistas em Luta, que falou sobre a tentativa da Justiça Trabalhista intervir no Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Estado do Espírito Santo e outros sindicatos, desrespeitando a livre organização dos trabalhadores e sua autonomia, impondo um estado de exceção nos sindicatos aos moldes da época da ditadura militar no Brasil
Causa Operária – O que significa dizer que os sindicatos estão sendo colocados sob intervenção do estado?
Anaí Caproni - Que está crescendo de forma vertiginosa a intervenção do poder judiciário nas eleições dos sindicatos. De 2004 para cá, são mais de 150 intervenções dos juízes da Justiça do Trabalho sobre os sindicatos, seja indicando diretamente diretorias “provisórias”, seja passando por cima de processos eleitorais em andamento e indicando juntas eleitorais com indicação de membros do poder público para comandar as “eleições”. Um exemplo disso é o que aconteceu na última “eleição” do sindicato dos trabalhadores dos Correios de São Paulo, onde foi indicado pelo juiz um advogado, como interventor para a entidade sindical (em pleno mandato da diretoria), para comandar novo processo eleitoral.
Causa Operária - Qual é o problema desta intervenção?
Anaí Caproni - Estas intervenções são uma aberta violação da Constituição aprovada em 1988, a qual expressamente proibiu a ingerência do poder público nos sindicatos. Esta expressa proibição foi produto da enorme luta dos trabalhadores contra as freqüentes intervenções da ditadura militar sobre os sindicatos. Nos anos 70 e início dos anos 80 era absolutamente comum que as diretorias sindicais fossem escolhidas a dedo pelos juízes e pelo governo e empossadas, apesar da enorme contestação destes elementos pelos trabalhadores da categoria. Nas eleições onde a chapa vencedora não representava a política do governo, a Justiça procurava um motivo, na maior parte das vezes, absolutamente inventado e intervinha no sindicato, empossando a chapa da ditadura.
Causa Operária - O que está acontecendo no Espírito Santo?
Anaí Caproni – No Espírito Santo querem reproduzir o que acontecia na época da Ditadura Militar. O juiz, que é um ex-chefe da ECT, faz abertamente a exigência de que haja um acordo com a Chapa 2 – apoiada publicamente pela chefia da ECT, sabendo que os mesmos não foram eleitos na assembléia e não existe qualquer ilegalidade no processo eleitoral em curso. O juiz chegou ao extremo de declarar que se não houver uma composição com a chapa 2 (o que significa conceder algum tipo de poder aos seus elementos, passando por cima da decisão da assembléia) ele poderia empossar a Chapa 2 como nova diretoria do sindicato através da concessão de uma liminar, um absurdo jurídico manifesto.
Causa Operária - Esta intervenção não é contra a Constituição nacional? Qual a sua base legal?
Anaí Caproni - Estas intervenções são uma violência absoluta à Constituição Federal e se baseiam em emenda Constitucional sancionada pelo governo Lula em 2004, a chamada Emenda Constitucional nº 45, a qual teve sua origem no PEC – Projeto de Emenda Constitucional - 96/1992 de autoria do Deputado Federal do PT – Hélio Bicudo e sancionada pelo Governo Lula.
Esta emenda transferiu os julgamentos de disputas eleitorais em sindicatos para a Justiça do Trabalho, onde praticamente não há discussão e apresentação prévia de documentos antes da audiência. Os sindicatos estavam submetidos aos julgamentos na Justiça Civil, a qual prevê uma série de medidas prévias, antes da audiência, esclarecendo as questões em disputa.
Em função da total falta de preparação prévia das audiências (ritual observado na justiça civil para garantir o amplo direito de defesa das partes e o claro convencimento do juiz sobre o direito em disputa) a decisão fica condicionada totalmente à arbítrio do juiz que a maior parte das vezes é de que o poder público conduza a eleição ou que as chapas em disputa chegue à uma composição.
Eles seguem a orientação geral reinante na Justiça do Trabalho. A maior parte das ações trabalhistas termina em acordo entre as partes, pois os empresários exploram o desespero dos trabalhadores em receber alguma coisa e os juízes expressamente têm a orientação de procurar o acordo, para diminuir o enorme volume de ações. Obviamente, os empresários, na imensa maioria das vezes saem ganhando pelo pagamento de valor muito inferior ao que efetivamente deviam aos trabalhadores.
Além da total informalidade e falta de preparo do processo o número de recursos possíveis para questionar a decisão dos juízes é infinitamente menor. Esta mudança provocou enorme insegurança das diretorias eleitas, pois qualquer aventureiro pode forçar uma mudança na decisão tomada pelos trabalhadores.
Causa Operária - Quais outros sindicatos dos Correios sofreram o mesmo problema e como foi a situação?
Anaí Caproni – Na categoria dos Correios já ocorreram, este ano, cinco tentativas, ainda em curso, de intervenções da Justiça nos sindicatos, nos estados de Roraima, Pernambuco, Amazonas, Mato Grosso e Minas Gerais.
Em Roraima, o Ministério Público intimou a direção do sindicato a apresentar em 24 horas a prestação de contas dos últimos anos, sob pena de que a ausência de prestação de contas levaria a justiça a intervir no sindicato para inscrever, fora de prazo, uma chapa de oposição ligada à direção da ECT.
No Sintect-MG, a justiça está sendo estimulada pela ECT e pelos sindicalistas do PCdoB a formar uma junta governativa, depois de ocorrida a eleição do sindicato, para abrigar elementos patronais na direção do Sintect-MG.
Em Pernambuco, a justiça pediu a prestação de contas do Sintect-PE, a fim de anular o processo eleitoral do sindicato, a fim de possibilitar a entrada dos sindicalistas do PCdoB na direção da entidade.
No Mato Grosso a eleição do sindicato foi decidida na justiça, mais uma intervenção judicial contra a vontade dos trabalhadores, a fim de favorecer a direção do PT no sindicato.
No Sintect-AM, mais uma vez a chapa formada pela direção da ECT de pessoas ligadas ao PT pediu a intervenção judicial para retirar da direção as pessoas que foram escolhidas pelos trabalhadores.
Causa Operária - Qual a relação da intervenção com a privatização?
Anaí Caproni - Em todas estas intervenções judiciais os favorecidos são elementos ligados ao bloco PCdoB – Articulação os quais defendem abertamente a privatização da ECT, através da sua transformação em empresa por ações, a chamada sociedade anônima.
Causa Operária - Qual foi o aumento da intervenção na relação antes e depois desta lei?
Anaí Caproni – Antes da efetivação da chamada “emenda 45”, em 16 anos, de 1989 até 2005 (a emenda só entrou em vigor no final de 2004) são menos de 100 intervenções judiciais nos sindicatos. A partir de 2005 até agora, ou seja, em cinco anos já temos mais de 150 intervenções, mostrando que se tornou uma orientação geral para resolver os conflitos nas eleições sindicais.
Causa Operária - Qual a relação do problema da intervenção e do direito de greve?
Anaí Caproni – A intervenção nos sindicatos é uma ampliação da cassação dos direitos dos trabalhadores que já vem acontecendo há bastante tempo. No caso do direito de greve, há uma virtual cassação deste direito, com imposição de enormes multas aos sindicatos que lideram paralisação, pedidos de prisão de dirigentes sindicais que não aceitam encerrar a greve ou que não cumprem decisão judicial obrigando a volta ao trabalho. Recentemente foi noticiado a contratação de médicos para substituir os grevistas do INSS, num ataque público à mobilização.
A cassação do direito de greve pela Justiça e a intervenção nas eleições dos sindicatos para forçar a permanência ou a entrada de elementos ligados ao governo, sem nenhum prestígio entre os trabalhadores não deixa dúvida de que vivemos uma situação de ditadura no que diz respeito aos direitos democráticos dos trabalhadores e aos direitos de representação e mobilização sindical.
Causa Operária - Qual a posição do movimento sindical e da esquerda em relação a isso?
Anaí Caproni - Em primeiro estes setores sequer acham importante a mudança na legislação. No caso da esquerda há uma mentalidade tipicamente anarquista e anti-operária de desconsiderar as mudanças legais que afetam profundamente os direitos dos trabalhadores, se opondo às campanhas de denúncias destas questões.
No caso da burocracia sindical é uma ignorância mais qualificada sobre o problema, uma vez que evitam a discussão para não se chocar com o governo, pois são, na maior parte dos casos, cabos eleitorais do PT, partido que apoiou a mudança, numa tentativa de controlar a burocracia sindical do seu próprio partido com a ameaça de intervenção. No caso do PCdoB e da Articulação há uma política clara de utilizar o poder de intervenção dos juízes para retirar dos sindicatos os sindicalistas pertencentes à esquerda do PT e aos partidos de esquerda ou, pelo menos, forçar uma composição com o bloco PCdoB-Articulação. Nos Correios é claro que estão utilizando a Justiça para tentar mudar a correlação de forças nacional entre esquerda e direita, a qual é totalmente desfavorável ao bloco PT-PCdoB.
Causa Operária - Qual o programa para combater esta situação?
Anaí Caproni - Em primeiro lugar denunciar a mudança da legislação e a clara tentativa do governo de passar por cima da Constituição, trazendo de volta a intervenção nos sindicatos.
Em segundo lugar mobilizar a categoria para não reconhecer os pelegos empossados pelos juízes, os quais estão a serviço da política de privatização e de retirada de direitos. É sempre bom lembrar que Lula foi indicado como interventor, pela ditadura militar, no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
Com as mobilizações dos trabalhadores contra os interventores da época, rapidamente Lula e outros interventores estiveram no chamado bloco dos “sindicalistas autênticos” procurando se eleger em diretorias sindicais, para tentar apagar a marca de traidores da categoria.
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