Paraguai: quem são
os derrotados?
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Escrito por Mário Maestri
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Quarta, 27 de Junho de 2012
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Na Grande
Guerra do Prata, de 1864-70, o Paraguai foi derrotado nacional e socialmente
pelo Império, pela Argentina liberal-unitária e pelo Uruguai colorado.
Teve sua autonomia nacional violada pela ocupação militar, por governos
títeres, por longa interferência brasileira e argentina nos seus assuntos
internos. Pagou fortes indenizações de guerra e perdeu importantes
territórios.
A derrota
paraguaia deveu-se à aniquilação de seu campesinato, a grande
singularidade daquela nação. Já forte na Colônia, ele expandira-se e
consolidara-se durante o regime jacobino francista (1814-1840). Os
soldados que resistiram como leões à invasão o Paraguai, em 1865-70, eram
camponeses defendendo suas chácaras da voracidade da ordem
oligárquico-latifundiária.
Após a
derrota, a reconstrução liberal-mercantil do Paraguai deu-se sob a
hegemonia-competição dos partidos Liberal e Colorado. O primeiro foi
formado, sobretudo, pelos proprietários refugiados desde os tempos do
doutor Francia em Buenos Aires. Durante a guerra, eles integraram a Legión
Paraguaya, tropa colaboracionista subordinada aos invasores. No
geral, defendeu o liberalismo extremado e os interesses argentinos.
O Partido
Colorado, autoritário e populista, foi fundado pelo general Bernardino
Caballero (1839-1912), alto oficial paraguaio escapado à morte. Formado
pelo que sobrara das classes dominantes lopiztas e apresentando-se como
continuação nacional-popular da resistência, contou com apoio entre a
população jamais alcançado pelos liberais, vistos como colaboracionistas
serviçais.
Os
colorados expressaram os interesses do Estado imperial e republicano
brasileiro. Prisioneiro brevemente no Rio de Janeiro, Caballero
estreitara os laços com o Império. Foi o ex-general lopizta que
privatizaria, em 1885, as enormes terras públicas, após a guerra de
1865-70, quando presidente da República (1880-86), em golpe derradeiro
nos camponeses, de fortes raízes guaranis, dizimados na resistência.
A longa
ditadura colorada do general Alfredo Stroessner (1954-89) resgataria
Solano López como herói nacional, enquanto reprimia a população rural e
seguia entregando as terras do país ao latifúndio, sobretudo estrangeiro.
Deposto em fevereiro de 1918, morreu em exílio dourado no Brasil, apesar
da carnificina com que mantivera a ordem ditatorial.
Após a
queda controlada da ditadura, no contexto de população reprimida e
desorganizada, o populismo conservador colorado continuou dominando a
política, apoiado em métodos gângster, seguindo os liberais no seu
jejum de poder.
Em de
abril de 2008, após meio século de hegemonia colorada, vencia as eleição
Fernando Lugo. Desde 2006, o “bispo dos pobres”, ligado à Teologia da
Libertação e aposentado pela Igreja, militara na política,
liderando partidos de oposição, centrais sindicais, movimentos sociais
etc. contra o continuísmo colorado.
Candidato
pela Aliança Patriótica pela Mudança, Lugo superou de longe o
segundo colocado. Durante a campanha, restringira seu programa à luta
contra a “desigualdade social”, pela “reforma agrária”, contra a
corrupção, por melhor preço para a eletricidade vendida ao Brasil.
Impugnara
luta por modificação estrutural e afastara-se das políticas de governos
como o venezuelano, boliviano etc. O vice-presidente – Federico Franco –
pertencia ao Partido Liberal (Radical Autêntico), que via em Lugo meio de
pôr fim, mesmo subalternizado, ao longo afastamento do poder.
No
governo, Lugo deu as costas ao movimento social que lhe levara à
presidência, empreendendo administração socialmente pífia, refém da
maioria conservadora quase absoluta na Câmara e Senado. Foi assediado por
denúncias de corrupção, de apoio a grupos armados, de vida sexual
dissoluta, que procuravam transformar o movimento que o levara à
presidência em um hiato histórico, e não em instrumento de construção de
organização e autonomia do movimento social.
Ordem
judicial de reintegração de latifúndio de dignitário colorado resultou em
nebuloso confronto armado entre camponeses e policiais, com dezenas de
mortos e o presidente solidarizando-se com as forças repressivas,
enquanto sem-terras eram perseguidos, presos e torturados. É difícil
dizer se o confronto fez parte do plano do golpe ou foi apenas
aproveitado para tal.
Com o
julgamento galopante do impeachment, procurou-se impedir a temida
mobilização da população rural, caixinha de Pandora que a direita não quer
abrir. A derrota do golpe através da galvanização de camponeses e
sem-terras era também tudo que o governo brasileiro não queria.
Com
pusilanimidade singular, Lugo submeteu-se disciplinadamente ao golpe,
esforçando-se para desmobilizar qualquer resistência, sob a desculpa de
impedir derramamento de sangue, que vertera sem dó em Ybyrá Pytá.
O novo presidente
já sinalizou a forte repressão à luta pela terra, nesse país
essencialmente agrícola.
Sem jamais
sair das sombras, o governo Obama liquidou com o bispo vermelho e
fragilizou a Venezuela, Bolívia, Equador etc., sem as dificuldades do
golpe hondurenho de 2009. Conta agora com governo súcubo, bem juntinho da
Argentina e do Brasil. Uma cenário escrito com a ajuda da política de flexibilização
ao imperialismo do governo da senhora Dilma Rousseff.
Mário
Maestri é historiador e professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação
em História da UPF.
E-mail:
maestri@via-rs.net
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