sexta-feira, 17 de junho de 2011

Dilma e os documentos secretos

Dilma e os “documentos secretos” PDF Imprimir E-mail
Escrito por Gustavo Lima   
Sex, 17 de Junho de 2011 19:11


Há dois anos Lula enviou ao Congresso um projeto de lei visando modificar as regras de trato de informações e documentos públicos. Em 2010 o projeto passou sem grandes problemas e alterações pelos deputados, mas agora no senado acaba de sofrer interferência da presidente Dilma Roussef. No dia 14 de junho a recém empoçada ministra Ideli Salvati declarou à imprensa que o governo acataria um pedido de Collor e Sarney. Logo em seguida o líder do PMDB, Romero Jucá, disse que o projeto será retirado do regime de urgência para que Sarney e Collor possam “colaborar”. Com isto, o projeto será enviado para a Comissão de Relações Exteriores do Senado. Quem é o presidente desta comissão? Fernando Collor.

O projeto iria modificar as regras regentes que permitem que os documentos sejam guardados por 30 anos, mas que com renovações acabam no “sigilo eterno”. O projeto que Dilma barrou alteraria o prazo para 25 anos com apenas uma renovação. Logo, o projeto daria um prazo máximo para que inúmeros documentos que hoje são sigilosos pudessem vir a tona. Dentre estes documentos estão inclusive alguns que datam desde o século XIX.

Por pressão de Fernando Collor e José Sarney, Dilma pretende manter o “sigilo eterno”, obviamente numa tentativa de encobrir crimes dos grupos dominantes no Brasil, que não podemos enumerar justamente por falta de dados, de documentos. Vale lembrar que Sarney já esteve no Planalto há 26 anos, e que as famílias Collor e Sarney estão na política há mais de meio século. Tanto Collor quanto Sarney apoiaram a Ditadura Civil-Militar através do ARENA. Ditadura essa que há muito se esperou seja desmascarada, sendo que a abertura destes documentos dariam um grande passo nesse sentido.
Segundo Sarney “Os documentos históricos, que fazem parte de nossa história diplomática, e que tenham articulações como o Rio Branco teve que fazer muitas vezes, não podemos revelar esses documentos, senão vamos abrir feridas”. Para Sarney “Não se pode fazer Wikileaks da história do Brasil”.

As feridas citadas por Sarney nada mais seriam que as montanhas de corrupção às quais estão relacionadas inclusive o roubo do Acre da Bolívia pelo Brasil e ação do Brasil na guerra do Paraguai, onde 50 mil brasileiros morreram, e outro tanto de paraguaios também. Além disso, ainda há outras questões a se esconder como a Operação Boi Barraca que investiga o filho de Sarney por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e caixa dois.

No entanto, cabe desmistificar essa afirmação do cacique. Evo Morales em encontro com Lula já reivindicou discutir a questão territorial, o que mostra estarem os bolivianos bem informados sobre este passado. Paraguaios guardam um profundo ressentimento. Tudo isto mostra que os que estão desinformados são em grande medida os próprios brasileiros, e o ocultar destes documentos favorece para que a história se mantenha desta forma.

Tais documentos são fundamentais para os historiadores no processo de escrita da História. Não se trata de uma nostalgia nacionalista que necessita resgatar “fontes” para construir a “História do Brasil”, de um “povo sem memória”, pois afinal de contas, até a desconstrução da História também é uma forma de fazer História. Mas trata-se de ampliar o campo de pesquisa em nome da memória de grupos e sujeitos históricos, que como a própria Dilma, foram torturados e sofreram todo o tipo de abuso no período da Ditadura Civil-Militar no Brasil. Além disto, tais documentos ajudariam também para a compreensão do próprio processo econômico ao qual todos nós compartilhamos de suas mazelas na contemporaneidade. Seja um historiador marxista ou um historiador adepto do “Fim da História”, é consenso que os movimentos sociais têm direito a fazer parte da História. Não tornar os ditos documentos secretos acessíveis, é certamente um método dos mais sujos que as classes dominantes recorrem para se manter no poder. Um abuso da História, uso em benefício próprio. Um verdadeiro assassinato.

O que parece ser uma síndrome de Estocolmo na verdade mostra duas questões.

A primeira é a de que há contradições entre partido e governo, embora mínimas, haja vista que desde que o PT se tornou governo o seu processo de eleições internas, o PED, não exerceu grandes transformações na política do governo, ainda que grande parte da militância petista veja agravantes na política conduzida durante os dois mandatos de Lula, e que agora já começam a questionar Dilma em inúmeros pontos. Isto por conta do próprio burocratismo que tomou conta do partido. Esta questão se torna visível com o toque requintado do senador Walter Pinheiro do PT ao sugerir que Dilma não intervenha na votação do projeto, somado ao lembrete do líder da bancada do partido Humberto Costa de que “Não vou patrocinar uma rebelião contra o governo” caso o “Palácio do Planalto convença o partido” de que é necessário barrar o projeto. Lula também defendeu a abertura dos documentos. No último dia 15 após assistir a uma aula de Ariano Suassuna em São Bernardo do Campo disse “acho que o povo tem mais é que saber”.

A segunda, é a de que Dilma se mostra muito mais aberta a “negociar”. Neste caso, claro que negociação significa a submissão de Dilma aos grupos conservadores, como no caso da campanha contra a homofobia que Dilma barrou para tentar salvar o ministério de Palocci. Diga-se de passagem, uma tentativa frustrada.

Uma das perguntas que cabe fazer a Dilma é: como barganhar documentos importantes para a compreensão da memória de milhares de sujeitos que morreram e lutaram contra a Ditadura, sofrendo torturas como ela mesma sofreu? Se esqueceu Dilma que ao ser acusada de terrorista pela mídia golpista até mesmo a esquerda que a criticava saiu em sua defesa, mostrando que nada há de indigno naqueles que sacrificaram sua liberdade em nome da luta comum contra a opressão do capital?

A resposta pode ser simples. Sendo um governo de coalizão entre antigos torturados com sempre torturadores, o resultado não poderia ser outro que uma total contradição. É por isto que o Tenente Coronel Maurício Lopes Lima ironizou ao dizer que “se eu soubesse naquela época que ela seria presidente, eu teria pedido ‘anota aí meu nome, eu sou bonzinho” fazendo referência ao momento em que torturou Dilma em 1970. O mesmo Tenente Coronel que passeia e mora no Guarujá (litoral paulista).

Tais documentos não deveriam ter quantidade de anos para serem públicos. FHC e Lula que se diziam de “esquerda” comeram bola e permitiram – assim como Collor, Itamar e também Sarney o fizeram – que toda a camarilha de assassinos da Ditadura pudessem mesmo pós-85 se rearticular e quiçá dar cabo de muito da documentação que poderia ajudar a mostrar quem foram e são os verdadeiros terroristas.

Os historiadores podem não se pronunciar a respeito da Medida Provisória que estabelece o segredo de orçamentos para as obras em vista da Copa e das Olimpíadas, embora saibamos qual o sentido de medidas assim (fazer valer obras superfaturadas, fraudes, e enfim todo o tipo de corrupção quando se trata de desvio de dinheiro público). É entendível e legítimo que todo e qualquer historiador diga não se importar com isto, embora a visão de que o historiador não se envolve nos debates políticos e sociais de seu tempo esteja cada vez mais rejeitada entre os seus. Mas como historiador, não poderia aceitar passivamente sem pronunciamento público contrário ao fato de que documentos importantes como estes que abrangem desde a guerra do Paraguai, passando pelo período getulista até a ditadura militar, caiam em “sigilo eterno”. Seria manter silêncio sobre fatos, torná-los “secretos”.

Um comentário:

Gustavo disse...

Olá Geraldo. Primeiro parabéns pelo blog, e em segudo obrigado também pela reprodução do texto. Grande abraço.