domingo, 15 de fevereiro de 2009
Fúria das Opus Dei na América Latina
Fúria do Opus Dei na América Latina
por Altamiro Borges*
O jurista Ives Gandra da Silva Martins, principal expoente da seita
fascista Opus Dei no Brasil, está preocupado com o avanço das
esquerdas na América Latina. Num artigo raivoso na coluna
Tendências/Debates da Folha de S.Paulo, ele destilou ódio e
preconceito contra Hugo Chávez, Evo Morales, Fidel Castro e Lula.
Ele aproveitou também para criticar a "falta de preparo" de
governantes pelo mundo afora e para oferecer seus cursinhos às novas
gerações de dirigentes políticos. "Neste mundo atormentado por
falsas lideranças e fantástica mediocridade, creio que valeria a
pena a idéia, que propus em meu livro, de uma `escola de governo'...
financiada pelos governos". No meio do arrazoado direitista, um
merchandising para os seus lucrativos negócios!
Na sua ótica elitista, "colhe o mundo, atualmente, uma notável safra
de pseudolíderes, populistas e despreparados, que conduzem nações
mais ou menos desenvolvidas exclusivamente baseados no poder de
comunicação com o povo, principalmente com a parcela menos
favorecida". Nesta safra, segundo o líder da seita, estariam
incluídos "o histriônico presidente venezuelano – capaz de criar
desnecessárias resistências por ser incapaz de controlar seus
repentes e ofensas –, que transforma o narcotráfico colombiano e sua
indústria de seqüestros em `idealística' guerrilha... O mesmo se
pode dizer de Morales, que também pretende se perpetuar no poder e
que começa, com sua enciclopédica e truculenta ignorância, a dividir
a nação".
A influência da seita fascista
Após criticar o presidente Lula por elevar impostos que atingem
principalmente os bancos, Ives Gandra encerra a safra latino-
americana com mais uma esquizofrenia fascistóide. "É de lembrar que
os três presidentes são amigos de um ditador que fuzilou, sem
julgamento – os homicídios perpetrados nos famosos `paredóns' –,
muito mais pessoas que Pinochet". Além de mentir sobre a realidade
dos direitos humanos em Cuba, ele não consegue esconder a sua
simpatia pelo regime ditatorial do Chile, que sempre teve o ativo
apoio do Opus Dei. Até quando critica a "desastrada presidência de
George W. Bush", Ives Gandra alerta para "o risco do voto num outro
populista despreparado para conduzir seus destinos" – talvez numa
referência doentia a Barack Obama.
As idéias direitistas e preconceituosas do Opus Dei já são
conhecidas, mas é bom não subestimar a influência desta seita
mundial – que goza de espaços na mídia burguesa e tem forte presença
no aparato estatal. Seu interesse pela América Latina também não é
novo e paira sempre ameaçador. Desde a sua chegada ao continente,
nos anos 50, o Opus Dei planeja ardilosamente sua ascensão ao poder.
O projeto só ganhou ímpeto com a onda de golpes militares na região
a partir dos anos 60. Seus seguidores presidiram várias nações ou
assessoraram inúmeros ditadores. Nos anos 90, com a avalanche
neoliberal, os tecnocratas fiéis a esta seita voltaram a gozar de
certo prestígio.
"Catequese" na América Latina
Nos anos 50, a seita aliciou seus primeiros fiéis entre as velhas
oligarquias que procuravam se diferenciar dos povos indígenas e
pregavam o fundamentalismo religioso. Mas o Opus Dei só adquiriu
maior pujança com a onda de golpes a partir dos anos 60. Até então,
a sua ação ainda era dispersa. Segundo excelente artigo de Marina
Amaral na revista Caros Amigos, "em 1970, Josemaría Escrivá
[fundador da seita na Espanha] viajou para o México dando início
às `viagens de catequese' pelas Américas que duraram até as vésperas
de sua morte em Roma, em 1975".
Em 1974, visitou a América do Sul, então dominada por ditaduras. "O
clero progressista tentava usar o peso da Igreja para denunciar
torturas e assassinatos e para lutar pelo restabelecimento da
democracia. Em suas palestras, ele respondeu certa vez a um militar
que perguntara como seguir o caminho da `santificação espiritual' do
Opus Dei: `Os militares já têm metade do caminho espiritual feito'".
Neste período sombrio, a seita apoiou os golpes e participou de
vários governos ditatoriais, segundo Emílio Corbière, autor do
livro "Opus Dei: El totalitarismo católico".
No Chile, a seita fascista foi para o ditador Augusto Pinochet o que
fora para Augusto Franco na Espanha. O principal ideólogo deste
regime sanguinário, Jaime Guzmá, era um membro ativo da seita, assim
como centenas de quadros civis e militares. Ela ainda apoiou os
golpes e participou dos regimes autoritários na Argentina, Paraguai
e Uruguai. Segundo Corbière, ela financiou o regime do ditador
nicaragüense Anastácio Somoza até sua derrota para os sandinistas.
Na década de 90, ainda deu "ativa assistência" à ditadura terrorista
e corrupta de Alberto Fujimori, no Peru.
O fundamentalismo neoliberal
Outra fase "próspera" se dá com a ofensiva neoliberal nos anos 90.
Gozando da simpatia do papa e de autonomia frente às igrejas locais,
ela se beneficia da invasão de multinacionais espanholas, fruto da
privatização das estatais. Muitas delas são influenciadas por
numerários do Opus Dei. Segundo Henrique Magalhães, em artigo na
revista A Nova Democracia, "a Argentina entregou as suas estatais de
telefonia, petróleo, aviação e energia à Telefônica, Repsol, Ibéria
e Endesa. A Ibéria já havia engolido a LAN [aviação], do Chile, onde
a geração de energia já era controlada pela Endesa. Os bancos
espanhóis também chegaram ao continente neste processo".
"O Opus Dei é para o modelo neoliberal o que foram os dominicanos e
os franciscanos para as cruzadas e os jesuítas para a Reforma de
Lutero", compara José Steinsleger, colunista do jornal mexicano La
Jornada. Nos anos 90, a seita também emplacou vários bispos e
cardeais na região. O mais famoso foi Juan Cipriani, do Peru, amigo
intimo do ditador Alberto Fujimori. Em 1997, quando da invasão da
embaixada do Japão por militantes do Movimento Revolucionário Tupac
Amaru, o bispo se valeu da condição de mediador e usou um aparelho
de escuta no crucifixo, o que permitiu à polícia invadir a casa e
matar todos seus ocupantes.
Os tentáculos no Brasil
No Brasil, o Opus Dei fincou a sua raiz em 1957, na cidade de
Marília, no interior paulista, com a fundação de dois centros. Em
1961, dada à importância da filial, a seita deslocou o numerário
espanhol Xavier Ayala, o segundo na hierarquia. "Doutor Xavier, como
gostava de ser chamado, embora fosse padre, pisou em solo brasileiro
com a missão de fortalecer a ala conservadora da Igreja. Às vésperas
do Concílio Vaticano II, o clero progressista da América Latina
clamava pelo retorno às origens revolucionárias do cristianismo e
à `opção pelos pobres', fundamentos da Teologia da Libertação",
explica Marina Amaral.
Ainda segundo a reportagem, "aos poucos, o Opus Dei foi encontrando
os seus aliados na direita universitária. Entre os primeiros estavam
dois jovens promissores: Ives Gandra e Carlos Alberto Di Franco, o
primeiro simpático ao monarquismo e candidato derrotado a deputado;
o segundo, um secundarista do Colégio Rio Branco, dos rotarianos do
Brasil. Ives começou a freqüentar as reuniões do Opus Dei em 1963;
Di Franco `apitou' (pediu para entrar) em 1965. Hoje, a organização
diz ter no país pouco mais de três mil membros e cerca de quarenta
centros, onde moram aproximadamente seiscentos numerários".
Crescimento na ditadura
Durante a ditadura, a seita também concentrou sua atuação no meio
jurídico, o que rende frutos até hoje. O promotor aposentado e ex-
deputado Hélio Bicudo revela ter sido assediado duas vezes por
juízes fiéis à organização. O expoente nesta fase foi José Geraldo
Rodrigues Alckmin, nomeado ministro do STF pelo ditador Garrastazu
Médici em 1972, e tio do candidato tucano a presidência em 2006. Até
os anos 70, porém, o poder do Opus Dei era embrionário. Ele tinha
quadros em posições importantes, mas sem uma atuação coordenada.
Além disso, dividia com a Tradição, Família e Propriedade (TFP) as
simpatias dos católicos de extrema direita.
Seu crescimento dependeu da benção dos generais e dos vínculos com
poderosas empresas. Ives Gandra e Di Franco viraram os
seus "embaixadores"
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