sábado, 28 de fevereiro de 2009

Um partido que desistiu do socialismo proletário

* O significado do Novo Partido Anticapitalista (NPA) da França * Ao se organizar em torno de “idéias contestatórias”, partido organizado pelaLCR, do Secretariado Unificado, aproxima-se do reformismo e abandona aestratégia revolucionária Raoul Guzman, de Paris • Numa entrevista intitulada *A extrema esquerda não deveria ser uma reservaindígena*, publicado no site de informações Mediapart em 22/05/08 OlivierBesancenot nos apresenta sua visão política e defende o projeto do Novo Partido Anticapitalista (NPA). Começa afirmando, de maneira correta, que asmobilizações do inverno de 1995 marcaram uma virada na luta de classes naFrança e que *“existe uma resistência que permanece e que se exprime mesmonos momentos difíceis. Muita gente pensava que a eleição de Sarkozy poderiaacarretar um golpe nas mobilizações, mas não foi o caso, as resistênciascontinuam”*. Depois, Olivier especifica os objetivos almejados com o lançamento do NPA: *“Aaposta é dupla. Há conflitos em cascata em setores que não estavamhabituados a ter gente entrando na luta. No comércio, Pizza Hut, McDonald’s,Fnac. Então, a primeira coisa pra nós é dar uma resposta política a essagente que descobriu o engajamento em suas novas lutas. Pra nós, trata-se deestar em sintonia com suas aspirações, de responder à sua vontade de ir maislonge. A segunda aposta é recriar um sentimento de classe majoritário queseja a imagem do proletariado tal como ele existe hoje”*. O primeiro objetivo, ou seja, procurar fornecer uma resposta política àaltura da demanda manifesta nas mobilizações, é completamente legítimo. Éeste, acreditamos modestamente, um objetivo buscado por todo militantepolítico que se respeite, que seja digno desse nome. A segunda aposta parecemais ampla, diríamos. Apesar das lutas em cascata em setores não *“habituadosa vê-las”*, apesar do fato de *“jamais ter havido tantos explorados”*,o *“sentimentode classe”* nunca foi tão fraco, afirma Olivier Besancenot. Mas então comoexplicar todas essas lutas, essas greves, essas ocupações? Seria possívelque o sentimento de classe esteja mais forte entre os trabalhadores do quepensa a Liga Comunista Revolucionária (LCR)? Besancenot resume assim seupensamento: *“Então o problema concreto é partir das lutas para reconstruirum sentimento de classe para esse novo proletariado”*. Se o objetivo centraldesse novo partido é de reconstruir um sentimento, por mais honorável queseja, e não de desenvolver a luta, então a burguesia pode dormir sossegada. Após essa análise político-sentimental, Besancenot prossegue e precisa: *“Desdea queda do Muro de Berlim, dizemos que é necessário um novo partido e umnovo programa, porque pensamos que há um ciclo histórico que começou em 1917com a Revolução Russa e que terminou em 1989. Dizer que este ciclo históricoterminou não significa que se deva rejeitar em bloco esse período, mas que énecessário observá-lo para tirar ensinamentos do que se deve ou não fazer, eao mesmo tempo compreender que estamos em um novo período. A Revolução Russa não pode continuar sendo o ponto de referência que foi para todas as organizações revolucionárias durante um século”*. Agora que a tese está posta, podemos entrar no mérito da questão. *O NPA não é o futuro do movimento operário * Para construir o partido revolucionário, podemos utilizar diferentesmediações táticas. Entretanto, não devemos jamais esquecer o objetivoestratégico, a construção de um partido revolucionário de massas para atomada do poder pelo proletariado, para a instauração de uma ditadurarevolucionária do proletariado, um poder capaz de submeter os elementos maisreacionários da burguesia, de quebrar suas instituições. A instauração de umgoverno a serviço dos trabalhadores só poderá ser feita a esse preço. Não poderemos chegar ao socialismo sem passar por um período transitório deduro enfrentamento entre as forças da reação e aquelas da revolução. Esteperíodo transitório será mais ou menos longo, o que dependerá do fatorsubjetivo, do partido e de seu programa. E sobretudo, no quadro doimperialismo, tal batalha será travada e resolvida em grande parte na arenainternacional. É esta uma das principais lições da Revolução de Outubro, dafalência do stalinismo e de sua teoria dita do “socialismo num só país”. Nãose trata apenas de construir “solidariedades internacionais”, mas também deconstruir uma ferramenta capaz de resistir às instituições militares eeconômicas internacionais do imperialismo. *Uma questão secundária... * *“Falo a título pessoal. Quando alguém me pergunta quem sou, digo quepenso que é necessário derrubar esse sistema e colocar outro em seu lugar. Éa natureza de meu engajamento. Depois, cada um tem seu método para o fazer,mas isso é secundário. Não vamos passar nosso tempo a discutir sobre nossarelação com Trotsky e a Revolução Russa. É necessário antes de tudo agirpela revolução. A clivagem reforma-revolução evoluiu. Hoje não há maisrevolucionários face a reformistas, mas revolucionários face a gestores dosistema”*. Assim, reformistas “sinceros” e revolucionários poderiam co-habitar nummesmo partido? Então, esse partido não será mais revolucionário! Aliás, oNPA não possui nem mesmo um projeto de sociedade claramente definido. É oque se afirma nas “Resoluções do Congresso Nacional da LCR”: *“Dêmo-nos umpartido para inventar o socialismo do século XXI”*. Ademais, a fórmula é tãovaga que foi retomada por Fabius na sua contribuição para o congresso doPartido Socialista (PS). O antigo primeiro-ministro de Mitterrand propõe“seis linhas diretrizes para um socialismo do século XXI...”. É já um poucomais preciso. Nada de projeto de sociedade claramente definido, portanto. A fórmula induza uma suposição: a de que o socialismo do século XX não é mais atual. Ou,mais precisamente, que as lições e conquistas da Revolução de Outubroempreendida pelos bolcheviques não são mais atuais. Teríamos então mudado deera, não estaríamos mais na época das guerras e das revoluções?Aparentemente sim, teríamos mudado, já que segundo a LCR o socialismo e ocomunismo do século XX se reduziriam hoje, no século XXI, a “idéiascontestatórias”. No entanto, desde há muitos anos, todas as experiênciasnovas de reforma, por contestatórias que fossem em aparência, tornaram-seinelutavelmente seu contrário. Seja na França (Mitterrand, Jospin), Espanha(Felipe Gonzáles, Zapatero), na Itália (D’Alema), Brasil (Lula), Venezuela(Chávez) ou Bolívia (Evo Morales). Afirmamos que todos aqueles que se fiam, por pouco que seja, no projeto doNPA, ou reconhecem nele aspectos progressistas ou anticapitalistas seequivocam. Na verdade, esse projeto corresponde à adaptação ao sistemacapitalista, via uma política neo-reformista, de uma corrente internacionalsaída do trotskismo, do Secretariado Unificado (SU). Hoje, o que estruturaessa corrente é a hipótese de humanizar o sistema por meio de suacontestação permanente. Ora, desde o advento da era imperialista tal comodefinida por Lênin, essa possibilidade não existe mais. Em compensação, apósa queda do stalinismo, existe a chance de se construir partidos operáriosrevolucionários pelo socialismo. A LCR decidiu, por meio de seu projeto do Novo Partido Anticapitalista e dasdeclarações de Olivier Besancenot, romper definitivamente sua ligação com acorrente trotskista de onde ela surgiu, para se transformar em um novopartido de tipo reformista contestatório. Sem nenhum projeto de sociedadealternativa ao capitalismo, sem método ou estratégia revolucionária, oanticapitalismo deste NPA será de fachada. Seu futuro é incerto porque, noterreno do reformismo, do eleitoralismo, existem outros projetos mais oumenos direitistas. A concorrência será dura com os altermundialistas, oPartido Socialista e vários outros. França: Liga Comunista Revolucionária se dissolve * Alberto Madoglio, da Itália • Organização francesa ligada ao Secretariado Unificado se dissolve paracriar “nova organização anticapitalista”. Mas qual é o limite deste tipo deorganização? O Portal publica, abaixo, um artigo do Partido da AlternativaComunista, seção italiana da LIT. O texto mostra tais projetos foram vãos eacabaram resultando numa combinação entre o reformismo e o centrismo, comoindicam as experiências da Refundação Comunista (Itália) e dos zapatistas(México) Entre os dias 24 e 27 de janeiro, ocorreu, em Saint Denis, periferia deParis, o XVII Congresso da Ligue Comuniste Revolutionnaire (LCR), no qual sedecidiu, por larga maioria (mais de 80%), dar início ao processo de criaçãode um “novo partido anticapitalista” e, conseqüentemente, dissolver a LCR. Não é de hoje que a LCR (assim como a tendência internacional da qual elafaz parte, o Secretariado Unificado – SU – representado no Brasil pelacorrente Democracia Socialista do PT) não é uma organização consequentementerevolucionária. Todavia não nos pode deixar indiferente o fato que a rupturadefinitiva com os últimos vestígios do patrimônio político do comunismovenha em 2008, exatamente quarenta anos depois da fundação deste partido quesob impulso do Maio de 1968 francês foi por muito tempo uma das maioresforças da extrema esquerda mundial. O processo que os delegados da LCR iniciaram não é uma novidade absoluta. Jáhá muitos anos, em particular desde o início dos anos 90, com a dissoluçãoda União Soviética, que se assiste a experiências políticas que, na intençãoque se propõem, deveriam ser a solução da crise de representação e depropostas políticas que os trabalhadores em nível internacional vêmenfrentando depois do fim da onda revolucionária dos anos 60-70 e depois dodesmoronamento do stalinismo. Contudo, todas as vezes a realidade demonstrou como tais projetos foramvãos, pois a falência já estava inscrita no seu DNA. Foi assim com omovimento zapatista guiado pelo subcomandante Marcos, que não só nãoconseguiu acabar com o domínio da burguesia mexicana, mas nem mesmoconseguiu restituir a dignidade política e social da população indígena dopaís. O mesmo sucesso se deu com o projeto político do PT brasileiro quetantas ilusões disseminou pelo mundo através da experiência do orçamentoparticipativo e do Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Porém, uma vezchegando ao governo com Lula, o partido demonstrou ser o melhor garantidordos interesses do imperialismo no continente sul americano. Tudo isso para não falar da Itália, onde 15 anos de propaganda do PRC(Partido da Refundação Comunista) acabou se traduzindo na participaçãodireta em um dos governos mais antioperários que a Itália conheceu desde ofim da segunda guerra mundial. Não é só a experiência passada que nos faz dizer que também este novoprojeto que nascerá sobre as cinzas da LCR é destinado a falência: é,sobretudo, uma crítica a proposta política adotada que nos faz chegar a estaconclusão. Se a análise que a LCR faz da crise da sociedade capitalista e da bancarrotadas organizações operárias tradicionais, mesmo sendo absolutamentesuperficiais, podem ser em geral compartilhadas. E se a presença dareivindicação da luta por uma sociedade socialista, poderia nos induzir adar um juízo positivo desta tentativa política, uma leitura mais atenta dasteses aprovadas não deixa dúvida sob o significado liquidador desta decisão.Antes de tudo, o chamado ao socialismo encontra-se totalmente desligado daluta pela conquista da hegemonia política dos setores politicamente ativosda classe operária, através de um programa de reivindicações transitório,que tem como fim a destruição da hegemonia política, econômica e social daburguesia e a substituição da ditadura de uma minoria privilegiada pela daimensa maioria da população. De tal modo este chamado se reduz a umreferência ao socialismo como um abstrato horizonte da humanidade, que secombina com o reformismo da sociedade atual. Uma combinação que semprecaracterizou o reformismo e o centrismo dos últimos dois séculos. Por outro lado, a reivindicação da experiência da “revolução bolivariana” deChávez e da sua tentativa de construir o “socialismo do século XXI”demonstra quanto as teses estão distantes do que teorizaram e praticaram oscomunistas com Marx, Lênin, Trotsky e com Outubro. Uma confirmação dos limites estreitos desta perspectiva pode ser encontradalendo a proposta adotada sobre a atitude a ser assumida nas próximaseleições municipais, nas quais a escolha é simplesmente entre um possívelacordo de governo local com o Partido Socialista ou com o PCF (PartidoComunista Francês) ou, ainda, a possibilidade de um simples apoio externo aum governo local de centro esquerda (também neste caso não excluindo asustentação ao Partido Socialista). No que concerne a uma eventualidade de sustentar um governo decentro-esquerda, os documentos se limitam a dizer que esta escolha dividiuas forças anticapitalistas e antiliberais no Brasil e na Itália, mas nãodizem de fato que tal política é insustentável. Os companheiros franceses,portanto parecem inspirar-se na experiência de seus primos italianos daEsquerda Crítica (ou vice e versa) que, por dois anos, forneceram ao governoProdi um apoio parlamentar determinante (lembre-se as variadas ocasiões queos dois deputados desta organização, Cannavò e Turigliatto, apoiaram o votode confiança no governo, ou as inumeráveis ocasiões em que o segundo noSenado, não participando das votações, contribuiu indiretamente para salvara vacilante destino de Prodi) e que, também depois de terem rompido com aRefundação Comunista, afirmaram que avaliariam “caso a caso” se sustentariamou não o executivo de centro-esquerda, definindo-se por isto sua organizaçãocomo tendencialmente (sic!) de oposição. Por isto a proposta organizativa da Esquerda Crítica assemelha-se muito comaquela adotada na França. Assim no texto aprovado em sua assembléia defundação (dezembro passado) se afirma que “o marxismo não é a única teoriade liberação a qual terão por referência” e propõem a constituição de umagenérica “rede anticapitalista” em ruptura com toda referência ao trotskismoentendido como programa marxista revolucionário atual. A Liga Internacional dos Trabalhadores, nas suas teses para o VIII CongressoMundial, falava do “vendaval oportunista” para indicar o fenômeno políticoque depois da queda do Muro de Berlin arrastou diversas tendências domovimento operário mundial, tornando-as direta ou indiretamente responsáveispela política antioperária da burguesia. Quase vinte anos de distânciadestes eventos, este “vendaval” ainda faz sentir seus efeitos. Quem se iludeque da crise do stalinismo e da definitiva traição da social-democracia sepossa sair com inovações político-organizativas não indica uma viaalternativa para chegar a nossa meta (a alternativa de sistema), mas condenamais uma vez os jovens, os trabalhadores, as mulheres e todos os oprimidos anovas e mais devastadoras derrotas. Por isto a luta pela construção de verdadeiros partidos comunistas em cadapaís e de uma internacional comunista revolucionária, torna-se cada vez maisuma necessidade inadiável. Só um partido fundado sobre um programaautenticamente de classe e comunista pode fornecer a resposta concreta, nãosó para por fim a escravidão do proletariado, mas também a opressão degênero, ao racismo e a xenofobia, a devastação ambiental que uma sociedadefundada sobre o lucro coloca em questão cotidianamente. *Tradução: Rodrigo Ricupero*

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