domingo, 15 de fevereiro de 2009

O novo nacionalismo

folha de São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009 Nacionalismo aumenta com recessão DA REDAÇÃO E spancada, na segunda passada, por skinheads em Dubendorf (Suíça), a brasileira Paula Oliveira acabou abortando a gravidez de gêmeos em decorrência dos ferimentos. Os agressores inscreveram a estilete, em suas pernas, a sigla do partido SVP -contrário à proposta, aprovada em referendo no domingo passado, de renovar e ampliar o acordo de imigração da Suíça com a União Europeia. Apesar de a maioria da população suíça ter se manifestado a favor do referendo, o crime não é o único exemplo da era da "desglobalizaçã

o". O termo foi cunhado pelo premiê britânico, Gordon Brown, no final de janeiro para referir-se aos países que endurecem as relações com imigrantes e capitalistas estrangeiros. "Essa forma de desglobalização, que vai levar ao protecionismo comercial se não for interrompida, é algo de que venho advertindo as pessoas", disse. Seu mote "empregos britânicos para trabalhadores britânicos" foi apropriado no protesto de operários ingleses que rejeitaram a contratação de italianos e portugueses por uma refinaria de petróleo. O Senado italiano suscitou protestos ao aprovar lei que torna crime a imigração ilegal (com até quatro anos de prisão) e estimula os médicos a delatarem imigrantes. A lei ainda carece de aprovação na Câmara. Na França, o ministro da Imigração, Eric Besson, propôs recompensar com vistos os estrangeiros que denunciarem redes de imigração. Nos EUA, o plano de estímulo à economia de Obama (mais de US$ 700 bilhões) condiciona a ajuda financeira ao uso de material proveniente de fornecedores americanos. ----------------------- Nações fora de lugar AUTOR DA TEORIA DO FIM DA HISTÓRIA DIZ QUE A INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA REPRESENTA UMA "NOVA FASE" DO CAPITALISMO John Giles - 4.fev.09 /Associated Press Operários ingleses protestam contra a admissão de estrangeiros estendendo bandeira do país com a frase "empregos britânicos para trabalhadores britânicos" SÉRGIO DÁVILA DE WASHINGTON A atual crise econômica não é o fim da história nem do capitalismo, mas do reaganismo, diz Francis Fukuyama. Para o autor de tese sobre o fim da história, acabou o movimento que há 30 anos prega a não-intervenção no mercado. "Agora, vamos começar uma nova fase, com mais intervenção do Estado", disse à Folha, em entrevista por telefone. Professor da Universidade Johns Hopkins, o economista e filósofo norte-americano de origem japonesa divulga nesta semana, em Washington, o recente "Falling Behind - Explaining the Development Gap Between Latin America and the United States" (Ficando para Trás - Explicando a Distância no Desenvolvimento da América Latina e dos EUA, Oxford University Press, 336 págs., US$ 29,95, R$ 69), organizado por ele. FOLHA - O que mudou na distância cultural-econômica entre a América Latina e os EUA desde que começou a estudar o assunto, em 2005? FRANCIS FUKUYAMA - Estamos no meio de uma crise econômica mundial, então tudo mudou para todo mundo. O que acho interessante nesta crise é que, desta vez, foi o mau gerenciamento nos EUA que a alavancou. A América Latina está sendo atingida, mas o dano até agora não é dos maiores, com algumas exceções, como a Venezuela. O gerenciamento macropolítico colocou os países da região em um bom lugar; ninguém vai passar por ela ileso, mas, em comparação com as décadas passadas, a América Latina está em uma posição muito melhor. FOLHA - Então, após décadas de sermões do FMI e do Banco Mundial, a região superou os mestres? FUKUYAMA - Sim, está melhor que o professor, em certos aspectos. Acho que os EUA não seguiram os mesmos conselhos que dão a outros países e só conseguiram fazer isso por causa do papel do dólar como moeda forte, então a economia americana pôde seguir suas próprias regras. Se isso não acontecesse, o dólar teria despencado muito tempo atrás. FOLHA - O sr. anteviu essa mudança de papéis? FUKUYAMA - Não, eu fiquei muito surpreso e não poderia imaginar que Wall Street sofreria esse colapso total. FOLHA - De volta a seu estudo, como explicaria a distância entre a América Latina e os EUA? FUKUYAMA - É uma história que começa 300 anos atrás. No começo, havia regiões na América Latina com renda per capita maior que a da América do Norte. Por exemplo, em 1790, a renda per capita em Cuba era maior que a de Massachusetts. Mas essa distância foi crescendo de maneira consistente, às vezes com velocidade maior, outras menor. Contudo a razão mais importante para que isso acontecesse foi a grande desigualdade na estratificação social na América Latina. Uma sociedade muito desigual pode crescer bastante, como aconteceu com o México ou o Brasil desde os anos 1950 até os anos 70 ou nos últimos cinco ou seis anos. Mas esses períodos de crescimento acabam por causa da instabilidade política e do fato de que a riqueza não é distribuída por toda a sociedade. Os longos períodos de instabilidade param o crescimento econômico, e é nesses momentos que a distância entre a América Latina e a América do Norte tende a ficar maior. Hoje em dia isso fica muito claro quando olhamos para países como Venezuela, Equador e Bolívia, em que há uma grande população de raças diferentes que nunca se sentiram incluídas no processo politico. O tipo de populismo que aparece hoje nesses países traz essas doenças sociais à tona, mas, a não ser que lidemos com elas de uma maneira séria e definitiva, a distância só vai continuar a crescer. FOLHA - O sr. também rejeita a tese de que católicos são piores colonizadores que protestantes. FUKUYAMA - A identidade dos colonizadores é importante, mas não por conta da religião. Tem a ver com o jeito como aquelas autoridades gerenciavam os seus impérios. Alguns países, como México e Peru, foram estabelecidos apenas para que os colonizadores viessem levar o ouro e a prata desses lugares para as suas metrópoles e, para fazer isso, fizeram os índios virarem escravos e estabeleceram um sistema hierárquico muito duro. E essa política social foi levada adiante até para países que não tinham esses recursos naturais. Na América do Norte, o sistema era muito diferente, porque não havia ouro nem prata nem outros recursos minerais que fossem apreciados à época. Ao invés de virem buscar riquezas, os colonizadores trouxeram famílias de fazendeiros e deram pequenos pedaços de terra para que pudessem plantar e viver do que plantavam, e um governo foi estabelecido para cobrar imposto dessas pessoas. Foi melhor negócio para as colônias, em comparação com o que aconteceu com a América espanhola ou a portuguesa. FOLHA - A crise atual pode levar a região a repetir erros do passado, como pôr a democracia em risco ou se voltar para o populismo? Há risco de a história se repetir? FUKUYAMA - Não é inevitável, mas é um grande risco. Até para quando as coisas estão indo bem. Nos últimos anos, esse tipo de populismo vem voltando à região em países como a Bolívia e a Venezuela e potencialmente até com a quase eleição de Lopes Obrador no México. E, obviamente, quando as coisas não vão bem, ainda mais com o descrédito das ideias vindas de Washington, esse pensamento tem tudo para voltar a ser alimentado. A única coisa que pode ajudar é que, acredito, as sociedades aprendem com o passar do tempo, então acho que as pessoas sabem que o populismo também tem seus perigos. FOLHA - A eleição de Obama não mitiga esse risco? FUKUYAMA - Sim, se ele levar os EUA a uma direção completamente diferente, e a política americana é notável por se reinventar. Creio que estamos nesse processo. Finalmente saímos dos anos Reagan. Ideias diferentes vão começar a sair de Washington, e espero que haja um pouco mais de humildade na política externa, um enfoque mais cooperativo com outras nações. Se isso acontecer mesmo, os EUA podem recuperar um pouco da boa vontade e da credibilidade perdidas nos últimos oito anos. FOLHA - Qual será o papel do Brasil nesse "novo mundo"? FUKUYAMA - É um papel muito importante, porque o país dá o tom para o que vai acontecer nos outros países na região. Acho que uma das razões pelas quais a América Latina como um todo está se saindo bem é que os dois últimos presidentes do país foram bons líderes. O que acontece no Brasil tem um impacto muito importante nos outros países. FOLHA - O que mais a região deveria estar fazendo e não está? FUKUYAMA - Se olharmos para as origens da desigualdade, algumas são herdadas do passado, mas é quase tudo resultado de políticas sociais, que na América Latina são reforçadas o tempo inteiro. Se compararmos seu nível de desigualdade com o de lugares como o Japão ou a Europa Ocidental ou mesmo os EUA, há uma redistribuição de renda substancial dos mais ricos para os mais pobres. E isso não acontece na América Latina porque os gastos públicos acabam ajudando as elites ou a classe média. Então daria para fazer muita coisa só com a redistribuição desses gastos, se você conseguir passar pela oposição de grupos políticos que representam essas elites. FOLHA - O Bolsa Família seria um mecanismo? FUKUYAMA - É um programa social relativamente bem feito e que foi criado para diminuir essa desigualdade. Economistas que estudaram o Bolsa Família provaram que a iniciativa foi bem-sucedida. Meu medo é que a crise faça desses programas sua primeira vítima. O outro perigo é que a corrupção ainda existe e pode fazer esse dinheiro ir para os protegidos dos políticos em vez de ir para os mais pobres de verdade. Isso já acontece na Nicarágua, mas, até onde sei, ainda não acontece no Brasil. Mas é um perigo, e a sociedade deve prestar atenção. FOLHA - Como o mundo sairá da crise? FUKUYAMA - Não sei o que vai acontecer no resto do mundo, mas acho que os EUA estão caminhando para uma recessão bem longa, porque passamos os últimos 30 anos gastando mais do que tínhamos, especialmente nos últimos oito anos. E será muito difícil recomeçar o processo de crescimento com toda essa dívida. Sou moderadamente pessimista nesse aspecto. E isso vai ter um impacto no resto do mundo, porque os EUA serviram como o motor do consumo mundial. FOLHA - As ações do novo governo vão funcionar? FUKUYAMA - Suspeito que esse plano não será suficiente e, se você olhar para os detalhes, há várias coisas que poderiam ser diferentes. O problema é que, quando você se oferece para gastar US$ 800 bilhões, muitos interesses políticos acabam sendo envolvidos e muitos gastos previstos não vão aos lugares certos. Dá para fazer muitas críticas, mas também não vejo alternativa nesse momento. FOLHA - Será o fim não da história, mas do capitalismo como o conhecemos? FUKUYAMA - É o fim do reaganismo, não do capitalismo, de um movimento que há 30 anos prega a não-intervenção no mercado. Não, não é o fim do capitalismo, mas um movimento pendular geracional nas políticas e nas ideias. Não estou condenando o reaganismo, que foi muito importante para o mundo: a liberalização da economia brasileira no governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foi muito importante, apesar de não ter ido tão longe quanto deveria, mas tirou o Brasil da hiperinflação e da péssima situação macroeconômica em que estava antes. Mas essa fase acabou, agora vamos começar uma nova, com mais intervenção do Estado. De novo, não é o fim do capitalismo, é só mais um ciclo da economia e da história.

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