quinta-feira, 1 de julho de 2010

O fascismo cristão está cada vez mais forte.

http://www.truthdig.com/report/item/the_christian_fascists_are_growing_stronger_20100607/


*EUA:* *O fascismo cristão está cada vez mais forte *

por Chris Hedges (*)



Dezenas de milhões de cidadãos estadunidenses, reunidos em um movimento
difuso e rebelde conhecido como a direita cristã, começam a desmantelar o
rigor científico e intelectual do Iluminismo. Eles estão a criar um Estado
teocrático, baseado na lei bíblica, e buscam aniquilar a todos aqueles que
definem como inimigos. Esse movimento, que vai cada vez mais se aproximando
ao fascismo tradicional, procura forçar um mundo recalcitrante à submissão
ante uma América imperial. Ele defende a erradicação dos “desviantes
sociais”, a começar pelos homossexuais, e avança sobre os imigrantes, os
humanistas seculares, feministas, judeus, muçulmanos e aqueles que rejeitam
como "cristãos nominais", como são denominados os fiéis que não aceitam a
sua interpretação pervertida e herética da Bíblia. Os que se opõem a este
movimento de massas são condenados por constituírem uma ameaça à saúde e
higiene do país e da família. Todos devem ser expurgados.



Os seguidores das religiões desviantes, do judaísmo ao islamismo, deverão
ser convertidos ou reprimidos. Os meios de comunicação desviantes, as
escolas públicas desviantes, a desviante indústria do entretenimento, os
desviantes governos e judiciários seculares e humanistas e as igrejas
desviantes serão enquadradas, ou fechadas. Haverá uma promoção implacável de
"valores cristãos", que já ocorre nas cadeias de rádios e televisões cristãs
e nas escolas cristãs, com informações e fatos sendo substituídos por formas
abertas de doutrinação. A marcha em direção a essa terrível distopia já
começou. Isso está acontecendo nas ruas do Arizona, nos canais de notícias a
cabo, nos comícios do *Tea Party*, nas escolas públicas texanas, entre
membros de milícias e no interior de um Partido Republicano que está sendo
açambarcado por estes lunáticos.



Elizabeth Dilling, que escreveu "*The Red Network*" (A Rede Vermelha) e foi
simpatizante do nazismo, é leitura recomendada por apresentadores de TV *
trash-talk* como Glenn Beck. Thomas Jefferson, que favoreceu a separação
entre igreja e estado, é ignorado nas escolas cristãs e em breve será
ignorado nos livros das escolas públicas do Texas. A direita cristã passou a
saudar a contribuição "significativa" da Confederação sulista [que reunia os
estados separatistas durante a Guerra Civil]. O senador Joseph McCarthy, que
comandou a caça às bruxas anticomunista na década de 1950, foi reabilitado,
e o conflito entre Israel e a Palestina é definido como parte da luta
mundial contra o terror islâmico. Leis semelhantes às recém-aprovadas *Jim
Crow* [conjunto de leis que definiam a segregação racial nos EUA] do Arizona
estão em discussão em 17 outros estados do país.



A ascensão do fascismo cristão, que temos ignorado por nossa conta e risco,
é alimentada por uma classe dirigente
liberal[1]ineficaz
e falida, que tem se mostrado incapaz de reverter o desemprego
crescente, proteger-nos dos especuladores da Wall Street, ou salvar a nossa
desafortunada classe trabalhadora das retomadas de casas hipotecadas, da
falência pessoal e da miséria. A classe dirigente revelou-se inútil na luta
contra o maior desastre ambiental da nossa história, incapaz de encerrar
caras e inúteis guerras imperiais ou de parar a pilhagem do país por suas
empresas. A covardia dessa classe dirigente e os valores que ela representa
acabaram por se tornar injuriados e odiados.



Os democratas se recusaram a revogar as graves violações ao direito
internacional e nacional transformadas em lei pela administração Bush. Isto
significa que, quando o fascismo cristão ascender ao poder, terá à
disposição as ferramentas legais para espionar, capturar, negar *habeas
corpus* e torturar ou assassinar cidadãos estadunidenses, como faz o governo
Obama.



As pessoas que vivem no mundo real muitas vezes imaginam que essa massa de
descontentes é constituída por bufões e imbecis. Eles não levam a sério
aqueles que, como Beck, cultivam seus desejos primitivos de vingança, nova
glória e de renovação moral. Os críticos do movimento continuam a empregar
as ferramentas da razão, da pesquisa e dos fatos para contestar os absurdos
propagados pelos criacionistas, que crêem que boiarão pelados no céu quando
Jesus retornar à Terra. O pensamento mágico, a interpretação flagrantemente
distorcida da Bíblia, as contradições abundantes em seu conjunto de crenças
e a pseudociência ridícula são, no entanto, impermeáveis à razão. Não
podemos convencer aqueles que se engajam nesse movimento a despertar. Nós é
que estamos a dormir.



Aqueles que abraçam este movimento veem a vida como uma batalha épica contra
as forças do mal e do satanismo. O mundo é em preto-e-branco. Eles precisam
ver-se, mesmo que imaginariamente, como vítimas cercadas por bandos sombrios
e sinistros empenhados na sua destruição. Eles precisam crer que conhecem a
vontade de Deus e podem cumpri-la, principalmente através da violência. Eles
precisam santificar sua raiva, uma raiva que está no cerne da ideologia.
Eles buscam a dominação cultural e política total. Eles estão usando o
espaço que a sociedade lhes oferece para destruí-la. Estes movimentos
trabalham dentro das regras estritas do Estado secular porque não têm
escolha. A intolerância que promovem é suavizada em público por seus
operadores mais sagazes. Uma vez que reúnam energia suficiente, e eles estão
a trabalhar duramente para obtê-la, tal cooperação desaparecerá. Em seus
templos, fica evidente a ideia de construção de uma nação cristã baseada em
controle total sobre os indivíduos e na recusa a permitir que qualquer
dissidência se manifeste explicitamente. Estes pastores criaram, dentro de
suas igrejas, pequenos feudos despóticos, e buscam replicar essas pequenas
tiranias em uma escala maior.



Muitas dessas dezenas de milhões de pessoas que hoje se encontram na direita
cristã vivem no limite da pobreza. A Bíblia, interpretada por pastores cuja
conexão direta com Deus os coloca à prova de questionamentos, é o seu manual
para a vida diária. A rigidez e simplicidade de suas crenças são armas
potentes na luta contra seus próprios demônios e no combate diário pela
sobrevivência. O mundo real, no qual Satanás, os milagres, o destino, os
anjos e a magia não existem, golpeia-os como a troncos de árvore em um rio.
Leva seus empregos e destroi o seu futuro. Este mundo apodreceu as suas
comunidades e inundou as suas vidas com álcool, drogas, violência física,
privação e desespero. E então eles descobriram que Deus tem um plano para
eles. Deus vai salvá-los. Deus intervirá em suas vidas para promovê-los e
protegê-los. A distância emocional que separa o mundo real do mundo da
fantasia cristã é imensa. E as forças seculares e racionais, aquelas que
falam a língua dos fatos e dados, são odiadas e temidas, em última
instância, porque puxam os fiéis de volta para a “cultura da morte” que
quase os destruiu.



Há contradições selvagens neste sistema de crenças. A independência pessoal
é exaltada ao lado de uma subserviência abjeta aos líderes que afirmam falar
por Deus. O movimento diz que defende a santidade de vida e defende a pena
de morte, o militarismo, a “guerra justa” e o genocídio. Ele fala de amor e
promove o medo da condenação e o ódio. Há uma dissonância cognitiva
aterrorizante em cada palavra que proferem.



O movimento é, para muitos, um salva-vidas emocional. É tudo o que os une.
Mas a ideologia, que rege e ordena suas vidas, é impiedosa. Aqueles que dela
se desviam, como "apóstatas" que deixam as organizações da igreja, são
marcados como heréticos e submetidos a pequenas inquisições, que surgem como
conseqüência natural de movimentos messiânicos. Se o fascismo cristão vier a
conquistar os poderes republicanos, as pequenas inquisições pouco a pouco se
tornarão grandes.



O culto da masculinidade permeia o movimento. Os crentes são levados a
pensar que o feminismo e homossexualidade tornaram o homem estadunidense
física e espiritualmente impotente. Jesus, para a direita cristã, é um
vigoroso homem de ação, que expulsa demônios, luta contra o Anticristo,
ataca hipócritas e castiga os corruptos. Este culto da masculinidade, com
sua glorificação da violência, é profundamente atraente para aqueles que se
sentem impotentes e humilhados. Ele transmite a raiva que levou muitas
pessoas para os braços do movimento. Ele os incita a chicotear aqueles que,
dizem, procuram destruí-los. A paranóia sobre o mundo exterior é alimentada
através de bizarras teorias da conspiração, muitas delas defendidas em
livros como o de Pat Robertson, “The New World Order", uma tirada xenófoba
que inclui ataques contra os liberais e as instituições democráticas.



A obsessão com a violência permeia os romances populares como o escrito por
Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins. Em seu apocalíptico “*Glorious Appearing*”
(Glorioso Aparecimento), baseado na interpretação própria de LaHaye das
profecias bíblicas sobre o Segundo Advento, Cristo volta e estripa a carne
de milhões de não-crentes com o som de sua voz. Há descrições longas de
horror e sangue, de como “as palavras do Senhor haviam superaquecido seu
sangue, fazendo com que estourassem suas veias e pele. Olhos se
desintegraram. Línguas derreteram. A carne se dissolveu.” A série *Left
Behind *(Deixados para Trás), à qual pertence este romance, é a mais vendida
para adultos no país.



A violência deve ser usada para purificar o mundo. Os fascistas cristãos são
chamados a um permanente estado de guerra. “Qualquer ensinamento de paz
antes do retorno [de Cristo] é uma heresia...” diz o televangelista James
Robinson.



Os desastres naturais, ataques terroristas, a instabilidade em Israel e até
mesmo as guerras no Iraque e no Afeganistão são vistos como indícios
gloriosos. Os fiéis insistem que a guerra no Iraque está prevista no nono
capítulo do Apocalipse, onde quatro anjos “que estão presos no grande rio
Eufrates serão libertados, para matar a terça parte dos homens.” A marcha é
inevitável e irreversível e exige que todos estejam prontos para lutar,
matar e talvez morrer. A guerra mundial, até mesmo nuclear, não é para ser
temida, mas sim celebrada como precursora do Segundo Advento. À frente dos
exércitos vingadores virá um bravo e violento Messias que condenará centenas
de milhões de apóstatas a uma morte terrível e horripilante.



A direita cristã, enquanto abraça o primitivismo, procura legitimar suas
mitologias absurdas nos marcos do direito e da ciência. Seus membros o
fazem, a despeito de suas idéias retrógradas, porque se constituem em
movimento totalitário distintamente moderno. Eles tratam de cooptar os
pilares do Iluminismo, a fim de aboli-lo. O criacionismo, ou o “projeto
inteligente”, assim como a eugenia para os nazistas ou a “ciência” soviética
de Stalin, deve ser introduzido no *mainstream* como uma disciplina
científica válida – daí, portanto, a reescrita dos livros didáticos. A
direita cristã defende-se no jargão jurídico-científico da modernidade.
Fatos e opiniões, a partir do momento em que são utilizados
“cientificamente” para apoiar o irracional, tornam-se intercambiáveis. A
realidade não é mais baseada na coleta de fatos e provas, e sim, baseada em
ideologia. Fatos são alterados. Mentiras se tornam verdades. Hannah Arendt
chamou a isso “relativismo niilista”, embora uma definição mais adequada
pudesse ser “insanidade coletiva”.



A direita cristã tem, assim, o seu próprio corpo de “cientistas”
criacionistas que usam a linguagem da ciência para promover a anticiência.
Ela lutou, com sucesso, para ter seus livros criacionistas vendidos em
livrarias como a do parque nacional do Grand Canyon e ensinados nas escolas
públicas de estados como Texas, Louisiana e Arkansas. O criacionismo molda a
visão de centenas de milhares de estudantes nas escolas e faculdades
cristãs. Esta pseudociência alega ter provado que todas as espécies animais,
ou pelo menos seus progenitores, couberam na arca de Noé. Contesta as
pesquisas sobre a AIDS e a prevenção da gravidez. Ela corrompe e desacredita
as disciplinas de biologia, astronomia, geologia, paleontologia e física.



No momento em que os criacionistas podem argumentar em pé de igualdade com
geólogos, afirmando que o Grand Canyon não foi criado há 6.000.000.000 de
anos, e sim há 6.000 pela grande enchente que ergueu a arca de Noé, estamos
perdidos. A aceitação da mitologia como uma alternativa legítima à realidade
é um duro golpe para o Estado racional e secular. A destruição dos sistemas
de crença racional e empiricamente fundamentados é essencial para a criação
de todas as ideologias totalitárias. A certeza, para aqueles que não podem
lidar com as incertezas da vida, é um dos apelos mais poderosos do
movimento. A desapaixonada curiosidade intelectual, com suas correções
constantes e sua eterna procura de provas, é uma ameaça às certezas. Por
isso, a incerteza deve ser abolida.



“O que convence as massas não são fatos”, Arendt escreveu nas “Origens do
Totalitarismo”, “nem sequer a invenção dos mesmos, mas apenas a coerência do
sistema de que presumivelmente fazem parte. A repetição, com sua importância
um pouco exagerada devido à crença difundida na capacidade inferior das
massas de compreender e lembrar, é importante porque as convence de que há
uma consistência ao longo do tempo”.



Santo Agostinho definiu a graça do amor como *Volo ut sis* – Desejo que
sejas. Há – escreveu – uma afirmação do mistério do outro nas relações
baseadas no amor, uma afirmação de diferenças inexplicáveis e insondáveis.
As relações baseadas no amor reconhecem que os outros têm o direito à
existência. Essas relações aceitam a sacralidade da diferença. Esta
aceitação significa que nenhum indivíduo ou sistema de crenças apreende ou
defende uma verdade absoluta. Todos se esforçam, cada um à sua maneira, uns
fora dos sistemas religiosos e outros dentro deles, para interpretar o
mistério e a transcendência.



A sacralidade do outro é um anátema para os cristãos de direita, que não
reconhecem a legitimidade de outras formas de ser e de pensar. Caso se
reconheça que outros sistemas de crenças, inclusive o ateísmo, têm uma
validade moral, a infalibilidade da doutrina do movimento, que constitui o
seu principal apelo, é destruída. Não pode haver formas alternativas de
pensar ou de ser. Todas as alternativas devem ser esmagadas.



Debates teológicos, ideológicos e políticos são inúteis com a direita
cristã. Ela não responde a um diálogo. É impermeável ao pensamento racional
e à discussão. As tentativas ingênuas de aplacar um movimento voltado à
nossa destruição, através de provas de que nós, também, temos "valores", só
reforça a sua legitimidade e a nossa própria fraqueza. Se não temos o
direito de ser, se nossa existência não é legítima aos olhos de Deus, não
pode haver diálogo. A esta altura, trata-se de uma luta pela sobrevivência.



As pessoas arregimentadas para o fascismo cristão lutam desesperadamente
para sobreviver em um ambiente cada vez mais hostil aos seus olhos. Nós
falhamos e estamos em dívida para com eles e não o contrário: esta é sua
resposta. As perdas financeiras, o enfrentamento da violência doméstica e
sexual, a luta contra os vícios, a pobreza e o desespero que muitas delas
têm de suportar são trágicas, dolorosas e reais. Elas têm direito à sua
raiva e alienação. Mas elas também estão sendo usadas e manipuladas por
forças que buscam desmantelar o que resta da nossa democracia e eliminar o
pluralismo que um dia foi um marco da nossa sociedade.



A faísca que poderá atear as chamas deste movimento pode estar adormecida
nas mãos de uma pequena célula terrorista islâmica. Pode estar nas mãos de
gananciosos especuladores de Wall Street que jogam com dinheiro do
contribuinte no elaborado sistema global do capitalismo de cassino. O
próximo ataque catastrófico, ou o colapso econômico seguinte, podem ser o
nosso incêndio do
*Reichstag*[2].
Pode vir a ser a desculpa empregada por essas forças totalitárias, este
fascismo cristão, para extinguir o que resta da nossa sociedade aberta.



Não nos deixemos ficar humildemente aos portões da cidade, esperando que os
bárbaros apareçam. Eles já estão chegando. Eles estão indo tranquilamente
para sua Belém. Deitemos fora nossa complacência e nosso cinismo. Desafiemos
abertamente o* establishment* liberal, que não irá nos salvar, para exigir e
lutar por reparações econômicas para a nossa classe trabalhadora. Vamos
reintegrar esses despossuídos em nossa economia. Vamos dar-lhes uma
esperança real para o futuro. O tempo está se esgotando. Se não agirmos, os
fascistas estadunidenses, empunhando cruzes cristãs, agitando bandeiras
nacionais e orquestrando corais do Juramento à
Bandeira[3],
usarão essa raiva para nos destruir a todos.



(*) Chris Hedges é formado na escola teológica de Harvard e foi, por quase
vinte anos, correspondente estrangeiro para o *New York Times*. É autor de
vários livros, entre estes War Is A Force That Gives Us
Meaning,
What Every Person Should Know About
War,
e American Fascists: The Christian Right and the War on
America.Seu
livro mais recente é Empire
of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of
Spectacle
.





Notas:

[1] Nos EUA, o termo “liberal” corresponde à definição dada, aqui, a
“social-democrata”.

[2]Episódio
que precipitou a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha.

[3]Em
inglês,
* Pledge of Allegiance*. Trata-se da cerimônia de juramento de fidelidade ao
país e à bandeira dos EUA.

Nenhum comentário: