quarta-feira, 28 de julho de 2010

Os 75 anos da ANL

Os 75 Anos da ANL e a Atualidade de seu Programa*
Por Diorge Konrad
Em 1935, o Brasil atravessava uma conjuntura política de radicalização das posições ideológicas. Muitos que haviam apoiado Getúlio Vargas em 1930 de dirigiram-se para a esquerda na Aliança Nacional Libertadora (ANL), ou para a direita na Ação Integralista Brasileira (AIB).
Sede da Alinça Nacional Libertadora, no Rio de Janeiro, no início de 1935
Vargas e seus aliados estavam em luta pela aprovação da Lei de Segurança Nacional (LSN) e, consequentemente, um maior fechamento do regime. Já a oposição liberal-democrata temia a diminuição das liberdades públicas, mas horrorizava-se com qualquer perspectiva de radicalização à esquerda; e a esquerda, tendo a frente o Partido Comunista do Brasil (PCB) e a sua tática de classe contra classe, organizava-se em frente popular propondo reformas radicais no desenvolvimento capitalista no Brasil, via ANL. Nessa conjuntura de disputas políticas e de radicalização das movimentações táticas, os confrontos de projetos ampliavam-se cada vez mais.

No início de 1935, enquanto os movimentos sócio-políticos procuravam construir greves econômicas e/ou políticas, além de reforçar a ANL, organizada oficialmente em 30 de março deste ano. Em menos de quatro meses de legalidade, a Aliança organizou cerca de 1600 comitês em todo o país. Em seu Manifesto-Programa, defendia, entre outros: a nacionalização das empresas imperialistas; o direito do povo manifestar-se livremente; a entrega dos latifúndios ao povo laborioso que os cultivasse e a libertação das camadas camponesas pagos pelo aforamento ou pelo arrendamento da terra, além da anulação total das dívidas agrícolas. Por outro lado, o governo de Vargas, encaminhava medidas para conter qualquer avanço popular, não admitindo as relativas liberdades políticas conquistadas a partir da Constituição promulgada no ano anterior. Além disso, outra marca da ANL foi seu caráter profundamente antifascista, no caso brasileiro, em oposição ao também crescente integralismo.

Sua importância foi resumida pela historiadora Anita Leocádia Prestes: “No caso brasileiro, a Aliança expressou as insatisfações generalizadas surgidas na sociedade (em particular com os resultados do Governo Vargas), que se concretizaram no programa antiimperialista, antilatifundista e antifascista levantado pelo PCB, com o apoio da Internacional Comunista (IC). [1]

As greves representavam um novo salto de organização do proletariado, resultando em sua organização institucional: na data histórica do Primeiro de Maio, um Congresso com quatrocentos sindicatos de onze estados fundou a Confederação Sindical Unificada do Brasil (CSUB).

Com a LSN, aprovada no Congresso Nacional em abril, o temor do PCB de expor os seus principais líderes aumentou. Ao ser convidado para assumir a Presidência de Honra da ANL, Prestes respondeu em carta para Hercolino Cascardo, seu presidente oficial, em 21 de maio, como se estivesse em Barcelona e não no Rio de Janeiro. [2] Era um subterfúgio para fugir à ação da polícia de Filinto Müller que desconfiava da presença de líder revolucionário no país.

O PCB, então abrigado essencialmente na ANL, aumentava as suas ações visando maior visibilidade política na sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, por continuar na ilegalidade, expunha-se a riscos maiores diante da repressão policial.

Quanto mais procurava se organizar o PCB, mais a repressão recaía sobre os seus militantes. No dia 22 de maio, no Rio de Janeiro, em devassa a casas suspeitas, a polícia prendeu em torno de vinte pessoas, portando material de propaganda, levando-os à DOPS, que agia incansavelmente. A repressão também decorria do sucesso do comício da ANL que reuniu no Rio de Janeiro mais de seis mil pessoas, em 13 de maio. Repressão e maior mobilização era o duplo da conjuntura, tanto que no dia 25, as mulheres aliancistas e antifascistas fundaram a União Feminina do Brasil (UFB).

A ampliação da organização da ANL e da mobilização dos trabalhadores, além de maior atuação pública do PCB, nos finais de junho de 1935, fez circular constantes boatos e notícias na imprensa de que o governo tomaria novas providências em relação a medidas repressivas contra os movimentos sociais e políticos de oposição. No dia 25, no Rio de Janeiro, já se divulgava que Filinto Müller entregara a Vargas um grosso relatório sobre as atividades oposicionistas na capital e as “suas ramificações pelos estados”, de maneira a “deixar bem clara a necessidade de providências acauteladoras do regime”.

Em São Paulo, no dia 21, o governo do estado criou a Polícia Especial, subordinando-a a Secretaria de Superintendência de Ordem Política e Social. A justificativa foi de que a polícia do estado necessitava de “um aparelhamento de repressão capaz de atuar com presteza e eficácia nos casos de grave perturbação da ordem pública, a exemplo das outras organizações congêneres existentes em outros centros”. [3]

No Rio Grande do Sul, a Aliança [4] recém estava lançando oficialmente a entidade estadual. O crescimento aliancista verificado até então fez com que os setores conservadores reagissem a ela, marcados pelo anticomunismo. Ainda em julho, sob o comando de Dom João Becker, foi fundada a Ação Social Brasileira (ASB), cujo programa defendia a luta direta ou velada contra o comunismo e aproximava os seus membros do integralismo

Mas o motivo esperado por Vargas viria com o Manifesto de Luiz Carlos Prestes, de 5 de julho de 1935, quando solicitou todo o poder à ANL. [5] O manifesto de Prestes foi justificativa para Vargas determinar o fechamento da ANL, por sugestão de Góis Monteiro, através de decreto nº 229 de 11 de julho. Em todo o país, a polícia passou a invadir, fechar e lacrar as sedes da entidade, justificada para “impedir a expansão das idéias extremistas” e o “perigo comunista”.

Na Câmara dos Deputados, reuniões da maioria com a minoria, procuravam um entendimento partidário das classes dominantes brasileiras, utilizando a velha tática de tratar as questões sociais como caso de polícia. Para os integrantes da minoria, a decisão só seria de “combater abertamente o extremismo e apoiar-se na maioria, se preciso, no caso em que os extremistas, indo da palavra a ação”, procurassem “derrubar o regime por meios violentos”.

Um dia após o fechamento da Aliança, seu presidente Hercolino Cascardo declarou para o jornal A Manhã que desconhecia a medida oficial, acusando Filinto Müller de “difamar a reputação de milhões de brasileiros dedicados de corpo e alma à libertação de sua pátria”. Negava as acusações de que a ANL era comunista e ameaçava o chefe de polícia de levá-los aos tribunais por aquelas acusações. Pouco depois a polícia acatou o decreto governamental que também ordenava fechar, através do decreto nº 246, todas das sedes da UFB, organização que não chegou a completar dois meses de existência.

A ANL tentou resistir ao seu fechamento, conclamando os trabalhadores a fazer greve contra o ato arbitrário de Vargas. Em São Paulo, no dia 15, em uma reunião no Sindicato dos Empregados no Comércio, quando se tentava organizar a juventude a favor da ANL, através do Órgão da Juventude Popular, Estudantil e Proletária, a polícia invadiu o local, prendendo vários diversos jovens. No dia 16, os operários do Lanifício Eilet – Armênio e da Estofaria Matarazzo declararam-se em greve parcial, por motivo do fechamento da ANL. Houve pequeno conflito entre os operários que deixaram o trabalho e os que nele permaneceram, porque a polícia não permitiu que os grevistas incitassem os outros as deixar as fábricas. Em todo o Brasil, os aliancistas e comunistas passaram a incitar o operariado à greve geral. Em decorrência, ainda em julho, o governo Vargas mandou fechar a CSUB

Fora do país, a ANL passou a servir de exemplo concreto da política de frente antifascista e antiimperialista, decidida como forma de organização prioritárias pelo VII Congresso da IC, ocorrido em Moscou entre a última semana de julho e a primeira de agosto.

O PCB também procurou reagir. Em agosto de 1935, programou um mês de protestos por todo o país. Estavam dados os primeiros passos para a Insurreição Nacional-Libertadora de Novembro de 1935.

75 anos depois e em ano eleitoral, as propostas da ANL continuam extraordinariamente atuais. Se implantadas, podem abrir um novo ciclo nacional de desenvolvimento e romper com a herança colonial e latifundiária da formação social brasileira e com as amarras históricas ao imperialismo ainda patrocinadas pelas classes dominantes do país.

Notas
* Este artigo apresenta extratos modificados de parte do capítulo 5, Antifascismo e repressão política, da tese de doutorado do autor, O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos, orientada por Michael Mcdonald Hall, e defendida na UNICAMP em 2004.

[1] Ver seu artigo “70 anos da Aliança Nacional Libertadora (ANL)”. Disponível em: http://www.cecac.org.br/mat%E9rias/Anita_Prestes_70_anos_ANL_parte2.htm. Acesso em 21 jul. 2010.

[2] A carta foi publicada posteriormente em A Classe Operária, órgão do Comitê Central do PCB, nº 185, na edição de 20 de junho. Cf. edição original do jornal do Fundo DOPS, Setor Comunismo, Pasta 4, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

[3] Cf. a íntegra desse decreto, sob nº 7.221, na Coleção de Leis e Decretos do Estado de São Paulo 1935. Tomo XLV, 1º Vol., 1º Semestre. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1935, p. 655.

[4] Sobre a organização, crescimento, atuação e fechamento da ANL no Rio Grande do Sul, ver minha dissertação de mestrado 1935: a Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUC-RS, 1994, especialmente p. 140-317.

[5] No Manifesto, Prestes reivindica a tradição do 5 de julho e das tentativas de revoluções tenentistas de 1922, de 1924 e da Coluna Prestes.

Leia aqui o Programa da Aliança Nacional Libertadora

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