sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O que é classismo?

O que é classismo?
 
 
 
Henrique Canary
de São Paulo (SP)
 
www.pstu.org.br
 
 
  <http://www.pstu.org.br/autor_indice.asp?id=35>
 
 
     • E m recente entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Lula declarou:
“Essa mistura de um sindicalista com um grande empresário e um documento que
fosse factível e compreensível pela esquerda e pela direita, pelos ricos e
pelos pobres, é que garantiu a minha chegada à Presidência”. Essa declaração
demonstra até que ponto o presidente se afastou dos princípios que deram
origem ao PT e à CUT e o lançaram no centro da cena política no início dos
anos 80.
 
     Lula é fruto de uma ideia que ele mesmo renega: a de que operários e
patrões são classes sociais inimigas. Por isso, os trabalhadores, em suas
lutas, devem trilhar um caminho próprio, ter sua própria política e suas
próprias organizações. A essa ideia de independência dos trabalhadores em
relação à burguesia chamamos classismo.
 
     O classismo foi a inspiração do movimento de massas nos anos 1980. Foi
em nome dessa ideia que Lula, na época, rejeitou a proposta de Fernando
Henrique Cardoso de formar, por fora do MDB, um novo partido democrático que
unisse trabalhadores e patrões. Pressionado pela força do ascenso operário,
Lula aderiu à ideia de construir um partido só de trabalhadores. Nascia o
PT, que combatia a ditadura e ao mesmo tempo não aceitava em seu interior
patrões e empresários.
 
     Os trabalhadores haviam derrotado a ditadura através da ação direta e
se sentiam fortes para se organizar e lutar de maneira independente, sem
concessões ou acordos políticos com a burguesia e o governo. O 3º Congresso
da CUT, realizado em 1988, proclamava: “A CUT entende que não pode haver
pacto entre desiguais, e que nesse tipo de pacto os trabalhadores só têm a
perder. Por isso, a CUT se manifesta firmemente contra qualquer tentativa de
acordo ou pacto que tenha por objetivo retirar conquistas ou restringir a
liberdade que a classe trabalhadora deve ter para avançar nas suas
conquistas”.
 
*    O abandono do classismo nos anos 1990*
**
 
    As fortes lutas dos anos 1980 levaram o PT a inúmeras prefeituras e mais
tarde ao governo de alguns estados. Começou aí um processo de adaptação à
ordem burguesa. O classismo foi sendo abandonado. Os métodos e princípios do
antigo movimento deram lugar a uma única estratégia: a eleição de Lula à
Presidência da República.
 
    É nesse período que surgem, por iniciativa da direção da CUT, as câmaras
setoriais: mesas permanentes de negociação, onde os gerentes das
multinacionais sentam-se com os dirigentes sindicais para estabelecer, de
comum acordo, metas de produção e venda e negociar o número de demitidos a
cada crise. É aí também que o PT abandona o perfil classista para se tornar
cada vez mais um partido da colaboração entre as classes. O “Vote no 3 que o
resto é burguês!” do início dos anos 1980 virou “O PT que diz SIM” da
campanha de 1996 à Prefeitura de São Paulo.
 
*    Lula e o PT no poder*
**
 
    O PT venceu as eleições em 2002 aliado ao PP, legenda de aluguel da alta
burguesia industrial. No governo, Lula cumpriu a fundo a principal promessa
feita na Carta ao Povo Brasileiro: governar com e para a burguesia. Colocou
o banqueiro Henrique Meirelles no Banco Central, o latifundiário Roberto
Rodrigues no Ministério da Agricultura, o empresário Fernando Furlan no
Ministério da Indústria e Comércio e um longo etc. Apesar de algumas
mudanças ao longo desses oito anos, a política ministerial de Lula
permaneceu a mesma: os ministérios são ocupados por figuras de peso do
empresariado nacional.
 
    O resultado: Lula manteve os compromissos com o FMI e grandes credores
internacionais, aplicou uma política de juros que beneficia o capital
financeiro, assentou menos famílias do que FHC, manteve no Haiti uma
ocupação militar cujo verdadeiro objetivo é impedir uma revolta do povo
contra a exploração das multinacionais ali instaladas, introduziu
modificações no sistema previdenciário que dificultam ainda mais a
aposentadoria, acabou com a independência da CUT, manteve o MST paralisado,
minou a confiança dos trabalhadores em suas próprias forças e comprou com o
Bolsa Família a consciência de uma parte da população que vivia uma situação
de miséria biológica.
 
    Isso tudo aconteceu porque Lula decidiu governar com empresários e
patrões. As ações do governo sempre tiveram como objetivo fundamental
preservar “essa mistura de um sindicalista com um grande empresário”. O
preço dessa mescla é que os trabalhadores sustentaram por oito anos a farra
dos banqueiros, das empreiteiras, do agronegócio e das multinacionais.
 
    *Como a colaboração de classes se torna uma ideologia dominante *
**
 
    Mas por que os trabalhadores que votaram em Lula aceitam essa situação
pacificamente? A resposta é simples: porque a burguesia e seus agentes
trabalham incansavelmente para convencer os operários de que patrões e
empregados têm, no fundo, os mesmos interesses. A colaboração de classes é
um exemplo daquelas mentiras que, repetidas mil vezes, acabam virando
verdade.
    Quando a economia cresce, tenta-se convencer os trabalhadores de que não
é hora de pedir aumento porque “o bolo ainda não cresceu o bastante; é
preciso esperar o bolo crescer para repartir”. É uma imagem forte que
convence muita gente. Afinal, quem, em sã consciência, retiraria um bolo cru
do forno? O que a burguesia e seus agentes escondem é que nunca a vida dos
trabalhadores melhora na mesma proporção do crescimento econômico. É o
contrário: a lucratividade das empresas sempre aumenta em proporção maior do
que o crescimento do país.
 
    Para demonstrar isso, tomemos os dados dos últimos anos de crescimento
(veja o gráfico à esquerda). Comparemos o crescimento da massa salarial da
população com a remessa de lucros ao exterior por parte de empresas
multinacionais e especuladores estrangeiros. Veremos que os dois itens
crescem, porém em proporção muito distinta, o que demonstra a mentira da
ideia do bolo que “cresce” e então é dividido “por todos”.
 
    Como se vê, quem ganha para valer com o crescimento econômico não são os
trabalhadores que produzem as riquezas do país, mas sim as multinacionais e
especuladores estrangeiros. Para garantir uma melhoria real do nível de vida
dos trabalhadores, é preciso interromper a pilhagem do país e a exploração
do trabalho do povo.
 
    Não é possível fazer isso com a “mistura de um sindicalista com um
grande empresário” por um motivo muito simples: o grande empresário não vai
abrir mão do seu lucro. A conclusão é lógica: mais uma vez, os trabalhadores
é que terão que abrir mão de melhorar as suas vidas.
 
     *A colaboração de classes durante as crises*
**
 
     Após os períodos de crescimento, vêm as crises. Nesses momentos, o
discurso dos patrões e dos burocratas sindicais muda, mas a lógica se
mantém: a de que somente “com o sacrifício de todos” é possível evitar uma
tragédia ainda maior. Nesse caso, o “sacrifício de todos” é a demissão de
uma parte dos trabalhadores, a diminuição da jornada com redução de salário,
o corte de direitos e o aumento das remessas de lucros ao exterior para
salvar as matrizes.
 
     Por isso, em 2008, ano em que estourou a crise econômica mundial, a
remessa de lucros do Brasil para o exterior, ao invés de diminuir, aumentou,
atingindo a cifra de 33 bilhões de dólares, 55% a mais do que havia sido
enviado em 2007 (21 bilhões de dólares). Ou seja, foram os trabalhadores
brasileiros que salvaram as matrizes da GM, Volkswagen, Renault, Fiat e
tantas outras que, ainda assim, não deixaram de demitir e reduzir salários.
 
    Quando a Embraer demitiu 4.200 funcionários, Lula disse que estava
“torcendo pelos trabalhadores”. O governo, que é acionista da empresa,
cobrou apenas explicações e nada mais. Quando as grandes montadoras
ameaçaram demitir em massa, Lula correu com a ajuda de R$ 4 bilhões e a
redução do IPI. Para os banqueiros foram liberados R$ 160 bilhões do
compulsório. Já os trabalhadores ganharam somente a ampliação do número de
parcelas do seguro-desemprego, o que resultou num gasto de apenas R$ 126
milhões ao governo federal. Literalmente, menos de um milésimo do que foi
distribuído a um punhado de bancos e grandes empresas.
 
    Esses tristes episódios demostram claramente que, na “mistura de um
sindicalista com um grande empresário” quem ganha é sempre o grande
empresário. É para ele que Lula decidiu governar.
 
    *Em defesa do classismo!*
**
 
    A história demonstra que as grandes conquistas da classe operária foram
arrancadas com a luta e a organização independente: a jornada de oito horas,
as leis trabalhistas, a derrota da ditadura militar, as liberdades políticas
e sindicais e tantas outras.
 
    Em vez da colaboração de classes, defendida hoje pela maioria esmagadora
da esquerda, o PSTU propõe o classismo: a noção de que trabalhadores e
burgueses são classes sociais inimigas. Portanto, a unidade entre eles só é
possível com a condição de que os trabalhadores abram mão de seus interesses
em benefício dos lucros da burguesia. O classismo, que para muitos é uma
palavra engraçada e fora de moda, para nós é um guia para a ação, um
princípio que simplesmente nunca deveria ter sido abandonado.
 
     *Colaboração de classes:a herança stalinista*
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     Nos anos 1930, o nazifascismo adquiriu peso de massas em vários países,
chegando ao poder na Alemanha e  na Itália. Na Alemanha, existia um poderoso
partido social-democrata, de orientação reformista, mas operário em sua
composição. Também o Partido Comunista Alemão, stalinista, era muito forte.
 
     Juntos, esses dois partidos poderiam ter derrotado o nazismo, mas o
stalinismo se negou a fazer qualquer unidade com a social-democracia.
Afirmava que ela era na verdade “a ala esquerda do fascismo”. Essa política
ultraesquerdista teve consequências desastrosas conhecidas: Hitler chegou ao
poder em 1933 sem encontrar praticamente resistência do movimento operário,
dividido pela política suicida de Stalin.
 
     Depois que o nazismo chegou ao poder, o stalinismo deu uma guinada à
direita: passou a dizer que para derrotar o nazismo era preciso uma aliança
entre os trabalhadores e a burguesia democrática, mas não se tratava de uma
aliança para lutar.
 
     O que se propunha era a criação de governos de unidade com a burguesia
dita “progressiva”. O objetivo de construir um governo só de trabalhadores
era abandonado. O stalinismo chamou essa política de “Frente Popular”.
Estava criada assim a expressão que seria sinônimo de derrota e
desmoralização para a classe operária do mundo inteiro.
 
     *PSOL: o abandono do classismo*
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     Infelizmente, o abandono do classismo e a adoção de uma política de
colaboração de classes não são exclusividade de Lula e do PT. Nas eleições
de 2008, o PSOL de Porto Alegre recebeu R$ 100 mil da Gerdau, uma das
maiores fabricantes de aço do país. Apesar da indignação dos militantes,
nenhuma medida foi tomada contra a direção do PSOL gaúcho. Luciana Genro,
então candidata a prefeita, acabou utilizando o dinheiro e obteve 10% dos
votos. A explicação foi surpreendente: “A empresa não pede nada em troca; se
eu não aceitar, eu sou burra”.
 
      Luciana não é burra nem ingênua. Sabe bem que, quando os patrões
financiam campanhas de partidos de esquerda, o fazem para forçá-los a
abandonar suas posições radicais e adotar um programa mais moderado. O
resultado nunca é imediato. De fato, nunca se pede nada formalmente. Apenas
se oferece dinheiro.
 
     Mas, em médio prazo, com seguidos financiamentos, cria-se uma relação
de dependência, e a burguesia acaba dobrando essas organizações. O PT é a
expressão disso em sua forma mais degenerada. O PSOL, infelizmente, caminha
no mesmo sentido. Tanto é assim que a tragédia da Gerdau acaba de se
repetir: a conferência eleitoral do PSOL gaúcho já aprovou o recebimento de
dinheiro de empresas para a campanha eleitoral deste ano.
 
 

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