sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A tendência à barbárie e as perspectivas do socialismo

A tendência à barbárie e as perspectivas do socialismo
Escrito por James Petras   
13-Ago-2010
 
As sociedades ocidentais e os Estados estão se deslocando inexoravelmente para condições semelhantes à barbárie; mudanças estruturais estão revertendo décadas de bem estar social e sujeitando o trabalho, os recursos naturais e as riquezas das nações à exploração bruta, à pilhagem e ao saque, rebaixando os padrões de vida e causando descontentamento num nível sem precedentes.
 
Inicialmente, descreveremos os processos econômicos, políticos e militares que vêm abrindo este caminho à decadência e à decomposição social, e a seguir mostraremos a reação das massas populares à deterioração de suas condições de vida. As profundas mudanças estruturais que acompanham a ascensão da barbárie constituirão a base para considerar as perspectivas para o socialismo no século XXI.
 
A crescente onda de barbárie
 
Nas sociedades antigas, a "barbárie" e os seus portadores – os "bárbaros" invasores – foram vistos como uma ameaça vinda das regiões periféricas de Roma ou Atenas. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, os bárbaros vêm de dentro, da elite, com a intenção de impor uma nova ordem que corrói o tecido social e a base produtiva da sociedade, convertendo meios de subsistência estáveis em condições deterioradas e inseguras da vida cotidiana.
 
A chave para a barbárie contemporânea encontra-se nas estruturas internas do Estado imperial e da economia. Estas incluem:
 
1. A ascensão de uma elite financeira e especulativa, que tem saqueado trilhões de dólares dos poupadores, investidores, mutuários, consumidores e do Estado, subtraindo enormes recursos da economia produtiva e colocando-os nas mãos da camada parasitária aninhada no Estado e nos mercados financeiros.
 
2. A elite política militarista, que vem supervisionando um estado de guerra permanente desde meados do século passado. Terror de Estado, guerras intermináveis, assassinatos em zonas fronteiriças e a suspensão das garantias constitucionais tradicionais levaram à concentração de poderes ditatoriais, prisões arbitrárias, torturas e à negação do habeas corpus.
 
3. Em meio a uma profunda recessão econômica e estagnação, os altos gastos do Estado na construção de um império econômico e militar, às expensas da economia nacional e dos padrões de vida, refletem a subordinação da economia local às atividades do Estado imperial.
 
4. A corrupção desde o topo, visível em todos os aspectos da atividade do Estado - desde as aquisições de bens e serviços até a privatização e os subsídios para os super-ricos –, incentiva o crescimento do crime internacional de cima para baixo, a lumpenização da classe capitalista e um Estado onde a lei e a ordem se encontram em descrédito.
 
5. Resultantes dos elevados custos de construção do império e da pilhagem da oligarquia financeira, os encargos sócio-econômicos recaem diretamente sobre os ombros dos trabalhadores assalariados, aposentados e trabalhadores por conta própria, determinando uma grande mobilidade descendente na escala social ao longo do tempo. Com a perda de empregos e o desaparecimento das posições mais bem remuneradas, as retomadas de casas pelos bancos crescem exponencialmente e as classes médias, antes estáveis, encolhem, e os trabalhadores são forçados a alongar suas jornadas de trabalho diárias e a trabalhar durante um maior número de anos.
 
6. As guerras imperiais, que se espalham pelo mundo e são direcionadas a populações inteiras, que sofrem com os bombardeios e as operações clandestinas de terror, geram, em oposição, redes terroristas, que também atingem alvos civis nos mercados, transportes e espaços públicos. O mundo vai se parecendo ao pesadelo hobbesiano de "todos contra todos".
 
7. Um crescente extremismo etno-religioso ligado ao militarismo é encontrado entre os cristãos, judeus, muçulmanos e hindus, que substitui a solidariedade de classe internacional por doutrinas de supremacia racial e penetra as estruturas profundas dos Estados e das sociedades.
 
8.  O desaparecimento dos Estados europeus e asiáticos de bem-estar social coletivo – nomeadamente, a ex-URSS e a China – levantou as pressões competitivas sobre o capitalismo ocidental e o encorajou à revogação de todas as concessões de bem-estar social obtidas pela classe trabalhadora no período pós-II Guerra Mundial.
 
9. O fim do "comunismo" e a integração da social-democracia ao sistema capitalista levaram a um enfraquecimento severo da esquerda, que os protestos esporádicos dos movimentos sociais não conseguiram substituir.
 
10. Diante do atual assalto às condições de vida dos trabalhadores e da classe média, só se vêem protestos esporádicos, no melhor dos casos, e impotência política, no pior.
 
11. A exploração maciça do trabalho nas sociedades capitalistas pós-revolucionárias, como a China e o Vietnã, compreende a exclusão de centenas de milhões de trabalhadores migrantes dos serviços públicos elementares de educação e saúde. A pilhagem sem precedentes e a captura, por oligarquias nacionais e multinacionais estrangeiras, de milhares de lucrativas empresas públicas estratégicas da Rússia, das repúblicas da ex-União Soviética, dos países da Europa Oriental, dos Bálcãs e dos países bálticos, foram a maior transferência de riqueza pública para mãos privadas, em curto espaço de tempo, em toda a História.
 
Em resumo, a barbárie surgiu como uma realidade definida, produto da ascensão de uma classe dominante financeira parasitária e militarista. Os bárbaros encontram-se aqui e agora, presentes dentro das fronteiras das sociedades ocidentais e seus Estados. Eles governam e perseguem agressivamente uma agenda que está continuamente a reduzir os padrões de vida, a transferir a riqueza pública para os seus cofres privados, a pilhar recursos públicos, a violar direitos constitucionais no exercício de suas guerras imperiais, a segregar e perseguir milhões de trabalhadores imigrantes e a promover a desintegração e o desaparecimento do trabalho estável e de classe média. Mais do que em qualquer outro momento na história recente, o 1% mais rico da população controla uma parcela crescente das riquezas e das rendas nacionais.
 
Mitos e realidades do capitalismo histórico
 
A retirada, em grande escala e de forma sustentada, dos direitos sociais e previdenciários, da segurança no emprego, e as reduções de salários e aposentadorias, demonstram a falsidade da idéia do progresso linear do capitalismo. Essa reversão, produto do poder ampliado da classe capitalista, demonstra a validade da proposição marxista de que a luta de classes é o motor da História – na medida em que, pelo menos, a própria condição humana é considerada como sua peça central.
 
A segunda premissa falsa – a de que os Estados organizados em "economias de mercado" têm como pré-requisito a paz, tendo como corolário a ascendência dos "mercados" sobre o militarismo – é refutada pelo fato de que a principal economia de mercado – os Estados Unidos – tem permanecido em constante estado de guerra desde o início da década de 1940, estando ativamente engajada em guerras em quatro continentes, até os dias de hoje, e com perspectiva de novas, maiores e mais sangrentas guerras no horizonte. A causa e conseqüência da guerra permanente é o crescimento de um monstruoso "Estado de segurança nacional" que não reconhece fronteiras nacionais e absorve a maior parte do Orçamento do país.
 
O terceiro mito do "capitalismo avançado maduro" é o de que este sempre revoluciona a produção através da inovação e da tecnologia. Com a ascensão da elite financeira especulativa e militarista, as forças produtivas foram saqueadas e a "inovação" é em grande parte direcionada à elaboração de instrumentos financeiros que exploram os investidores, reduzem os ativos e acabam com o trabalho produtivo.
 
Enquanto o império cresce, a economia local se contrai, o poder está centralizado no Executivo, o poder legislativo é reduzido e aos cidadãos é negada uma representação efetiva, ou mesmo o poder de veto através de processos eleitorais.
 
A resposta das massas ao aumento da barbárie
 
A ascensão da barbárie em nosso meio tem provocado revolta pública contra seus principais executores. As pesquisas de opinião têm reiteradamente encontrado:
 
(1) Profunda aversão e revolta contra todos os partidos políticos.
 
(2) Grande desconfiança, nutrida pela maioria da população, contra a elite empresarial e política.
 
(3) Rejeição, também pela maioria, da concentração de poder corporativo e do seu abuso, principalmente por parte dos banqueiros e financistas.
 
(4) Questionamento amplo das credenciais democráticas dos líderes políticos que agem a mando da elite empresarial e promovem as políticas repressivas do Estado de segurança nacional.
 
(5) Rejeição, pela grande maioria da população, da pilhagem do Tesouro nacional para salvação dos bancos e da elite financeira, com a imposição de programas de austeridade regressivos sobre a classe média trabalhadora.
 
Perspectivas para o socialismo
 
A ofensiva capitalista teve certamente um grande impacto sobre as condições objetivas e subjetivas da classe média trabalhadora, empobrecendo- a e provocando uma onda crescente de descontentamento pessoal, que ainda não se traduziu numa movimentação anticapitalista massiva, ou mesmo numa resistência dinâmica e organizada.
 
As grandes mudanças estruturais requerem um melhor entendimento das atuais circunstâncias adversas e a identificação de novas instâncias e meios onde se desenvolvem a luta de classes e de transformação social.
 
Um problema-chave é a necessidade de se recriar uma economia produtiva e reconstruir uma classe trabalhadora industrial após anos de pilhagem financeira e desindustrialização, não necessariamente para as poluidoras indústrias do passado, mas certamente para novas indústrias que criem e utilizem fontes de energia limpa.
 
Em segundo lugar, as sociedades capitalistas altamente endividadas necessitam, fundamentalmente, sair do modelo de construção imperial militarista de alto custo em direção a um modelo de austeridade financeira baseado na classe e que imponha os sacrifícios e as reformas estruturais aos setores bancário, financeiro e comercial de grande varejo, que substitui a produção local pela importação de artigos de consumo de baixo custo.
 
Em terceiro lugar, o enxugamento do setor financeiro e do comércio retalhista exige a melhoria das qualificações dos trabalhadores que serão deslocados ou desempregados, bem como mudanças no setor de TI, de forma a acomodar as próprias mudanças econômicas. Exige, também, a mudança de um paradigma – da renda monetária para o rendimento social –, em que a educação pública e gratuita de alto nível, o acesso universal à saúde e as aposentadorias abrangentes substituirão o consumismo global financiado por dívidas. Isso pode se tornar a base para o fortalecimento da consciência de classe contra o consumismo individual.
 
Esta é a questão: como passar de uma posição em que a classe trabalhadora se encontra fragmentada e enfraquecida e os movimentos sociais em recuo ou na defensiva a uma posição em que seja possível lançar uma ofensiva anticapitalista?
 
Vários fatores subjetivos e objetivos já permitem o trabalho nesse sentido. Primeiro, há uma negatividade crescente contra a grande maioria dos atuais operadores políticos e, em particular, contra as elites econômicas e financeiras que estão claramente identificadas como responsáveis pelo declínio nos padrões de vida. Em segundo lugar, há o ponto de vista popular, compartilhado por milhões de pessoas, de que os atuais programas de austeridade são claramente injustos - com os trabalhadores a pagar pela crise que a classe capitalista produziu. Até o momento, no entanto, estas maiorias são mais "anti"-status quo do que "pró"-transformação. A transição do descontentamento privado para a ação coletiva é uma questão em aberto quanto a quem a desencadeará e como o fará, mas a oportunidade está presente.
 
Existem vários fatores objetivos que podem deflagrar uma mudança qualitativa do descontentamento, deslocando-o da raiva passiva rumo a um maciço movimento anticapitalista. Um "duplo mergulho" na recessão, o fim da atual recuperação anêmica e o início de uma recessão mais profunda e prolongada ou de uma depressão poderiam desacreditar ainda mais os governantes atuais e seus aliados econômicos.
 
Em segundo lugar, o aprofundamento interminável da austeridade poderá desacreditar a noção atual, difundida pela classe dominante, de que os sacrifícios atuais são necessários para se obterem ganhos futuros, abrindo as mentes e encorajando os corpos a se moverem à procura de soluções políticas, de forma a alcançar ganhos no presente e infligir dor às elites econômicas.
 
As inesgotáveis e "invencíveis" guerras imperiais que sangram a economia e a classe trabalhadora podem, em última análise, criar uma consciência de que a classe dominante oferece "sacrifícios" à nação sem nenhuma finalidade "útil".
 
Provavelmente, o efeito combinado de uma nova etapa da recessão, a austeridade perpétua e as estúpidas guerras imperiais acabarão por transformar o mal-estar atual e a difusa hostilidade das massas contra a elite econômica e política em favor dos movimentos socialistas, partidos e sindicatos.
 
James Petras é sociólogo, nascido em Boston, e publicou mais de sessenta livros de economia política e, no terreno da ficção, quatro coleções de contos.
 

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